Sabesp faz projeto para uso comercial do lodo de esgoto

Valor Econômico - Sexta-feira, 9 de março de 2007

sex, 09/03/2007 - 12h05 | Do Portal do Governo

Do Valor Econômico

O lodo de esgoto, antes um estorvo, começa a virar negócio. Hoje em dia, algumas empresas de saneamento já doam o lodo – resíduo que sobra do esgoto após este ser tratado – para ser usado como adubo sob autorização do Ministério da Agricultura. A doação é, na verdade, uma forma de cortar gastos com a deposição do resíduo em aterros sanitários e reduzir impacto ambiental. Agora, considerando o interesse de produtores agrícolas em fertilizante orgânico, chamado biossólido, a Cia. de Saneamento do Estado de São Paulo (Sabesp) planeja aprimorar seu lodo tratado com vistas à sua futura comercialização.

A forma escolhida pela Sabesp foi a secagem do lodo, que hoje é doado a agricultores e empresas de papel e celulose em forma pastosa. “A Sabesp já trata o seu lodo, e comercializar é uma possibilidade”, diz o presidente da estadual, Gesner de Oliveira. O foco da empresa é investir primeiro na estação de tratamento de esgoto (ETE) de Barueri, sua maior unidade, que trata diariamente 310 toneladas de esgoto.

O processo de secagem elimina 90% do conteúdo líquido do resíduo, formando um produto granulado, os “pellets”. Dessa forma, o produto fica mais leve para ser transportado e mais fácil de ser aplicado no solo, segundo a engenheira civil da Sabesp Márcia Nunes, que participa do estudo dessa nova técnica.

Ela conta que o valor a ser investido nesse programa, incluindo a campanha de divulgação, é de R$ 14 milhões, segundo simulação preliminar feita pela Sabesp. Esse montante deve ser recuperado em cerca de 14 anos, já que a receita anual é estimada em R$ 4 milhões brutos, caso o quilograma do lodo seco seja vendido a R$ 0,37.

Uma dificuldade encontrada pela empresa é a obtenção de licenciamento ambiental. Para uma estação de tratamento de esgoto poder disponibilizar seu lodo tratado a produtores rurais é necessário autorização do Ministério da Agricultura e da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), no caso do Estado de São Paulo.

Além disso, Márcia explica que ainda não se sabe se o biossólido seco será enquadrado na legislação de produtos, o que implicaria a cobrança de impostos de produção e comercialização, ou de sub-produtos de reciclagem, que traria isenções. “É uma questão que depende de definição, uma vez que a cadeia de saneamento está sujeita a alguns impostos e uma nova etapa de produção que envolve a comercialização deve ser avaliada sob uma nova ótica, a das boas práticas ambientais”, diz Márcia.

A única Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) da companhia estadual que desde 1999 já doa seu lodo é a de Franca (a 400 km de São Paulo), que conseguiu no Ministério da Agricultura o certificado de “Estabelecimento Produtor de Insumo Agrícola”. A Sabesp fornece o lodo tratado para cafeicultores mediante a inspeção de um agrônomo, que verifica condições de transporte e pessoas capazes de aplicar o subproduto.

A ETE tem capacidade para fornecer 40 toneladas de lodo por dia, o que é suficiente para cobrir um hectare (10 mil metros quadrados) de plantação. Dessa forma, é fornecido lodo para um agricultor por vez, que retira o resíduo durante um período que varia de uma semana a cinco meses, segundo Rui Cesar Rodrigues Bueno, gerente do setor de Tratamento de Esgotos de Franca. No período de colheita e de muita chuva, a Sabesp estoca o lodo.

Os produtores rurais arcam com o transporte e aplicação do produto, o que deixa o custo do biossólido semelhante ao dos fertilizantes minerais. Segundo o agrônomo e produtor de café Milton Cerqueira Pucci, que acompanha esse projeto da Sabesp desde o início, o biossólido diminui pouco o uso da adubação mineral, mas traz ganho de produtividade, influenciando no tamanho do grão de café, por exemplo. “O produto não substitui o fertilizante, mas funciona como uma esponja, retendo líquido na terra e levando nutrientes”, diz Pucci.

Para ele, a vontade de estimular uma prática sustentável também é um grande incentivo do uso do lodo como adubo, e por isso ele acredita que caso o fornecimento do insumo fosse regulamentado em todo o país, haveria uma grande aceitação. “É claro que tem limitações, não podemos usar em verduras, por exemplo, mas é preciso acabar com o preconceito em torno do lodo e ampliar o seu uso.”

A reutilização do lodo de esgoto já é estudada pela Sabesp desde 1998 na Escola Superior de Agricultura Luiz Queiroz (Esalq-USP), em Piracicaba (SP), e com as empresas de papel e celulose Duratex, Votorantim Celulose e Papel VCP, Suzano, International Paper e Ripasa. Ainda hoje, o insumo, fornecido pela ETE de Barueri, é usado experimentalmente em áreas de plantio de eucalipto dessas empresas nas cidades de Itatinga, Aguaí, Luiz Antônio, Agudos e Lençóis Paulistas.

Segundo o biólogo Fábio Poggiani, professor titular da Esalq, a produção tem respondido bem à aplicação do lodo e não tem havido impacto ambiental. “A perspectiva é boa, mas para o projeto ir para frente é preciso ter uma decisão de investir nisso”, diz Poggiani. Segundo ele, o resultado tem sido de 60% a 70% de aumento da produtividade de eucalipto, ou seja, um maior rendimento por espaço plantado.

O que prepondera hoje é a deposição do lodo em aterros sanitários ou mesmo em lixões, explica Poggiani. “Não são boas opções. No caso dos lixões, o lodo gera emissão de gases poluentes, e a instalação de aterros sanitários é complicada, pois depende de acordo com prefeituras, além de ser muito caro”, diz ele. Outro fim dado ao dejeto é a incineração, uma forma poluente e cara. “É algo escolhido por algumas administrações públicas por ser um opção mais prática”, explica o professor.

Dessa forma, ele defende o investimento na reciclagem do lodo, mas alerta que muitas empresas ainda jogam efluentes no esgoto, o que contamina o lodo com metais pesados e dificulta o seu tratamento para aplicação no solo. “Para buscar a generalização do uso do lodo como adubo é preciso estabelecer metas de diminuição dos afluentes industriais no esgoto. Isso leva um certo tempo e precisa haver algo planejado”, diz o professor da Esalq.