Retratos que sobrevivem à tecnologia

O Estado de São Paulo - Sexta-feira, dia 22 de setembro de 2006

sex, 22/09/2006 - 12h04 | Do Portal do Governo

Pinacoteca mostra a magia das fotos singelas feitas por lambe-lambes do NE

Simonetta Persichetti

Na era da acumulação da imagem, de novas tecnologias, do mito do tempo real, a Pinacoteca traz do Ceará Retrato Popular, mostra que relembra a magia do retrato popular: as fotos singelas feitas por lambe-lambes nas feiras, circos e romarias das cidades do interior do Nordeste e, ainda, as imagens pintadas pelos fotógrafos de estúdio com a intenção de dar um ar ‘mais artístico’ à imagem.

São trabalhos que foram perdendo espaço para novas formas e tecnologias de inventariar o mundo, mas ainda fazem parte da memória visual do Brasil e estão muito presentes, sobretudo, no ambiente rural: ‘Estas fotografias, especialmente as foto-pinturas, se tornaram uma afirmação cívica no Nordeste, sempre foi muito além do que uma mera imagem’, nos lembra o professor Titus Riedl, um dos curadores da mostra.

É emocionante perceber o olhar solene dos fotografados frente às câmeras, sabedores do momento importante de serem imortalizados por uma fotografia. Ou pelo menos querendo dar a esse momento uma importância quase mítica. São imagens despretensiosas que não pretendem afirmar nem negar nada, apenas oferecer a lembrança e o prazer de uma foto para aqueles que muitas vezes passam pela vida invisíveis: ‘Os lugares onde as imagens são colocadas costumam ser íntimos, paredes das casas, gavetas de armários e até lápides de cemitérios e salas de ex-votos, onde os mortos são homenageados e os vivos fazem suas promessas’, escrevem na apresentação da mostra os curadores.

Mas no meio desses profissionais, destacam-se D. Telma e mestre Julio. D. Telma começou a fotografar na década de 1940. Filha e mulher de fotógrafo, logo se destacou por seus retratos. Apaixonada por cinema, colecionava e separava as fotografias que apareciam nas páginas da revista Cena Muda. Foi nesta revista que ela encontrou um anúncio da tinta para colorir imagens. Comprou então seu primeiro estojo, por reembolso postal, nos Estados Unidos. Assim ela se iniciou na foto-pintura, trazendo sempre para as imagens a mitologia dos artistas do cinema holywoodiano. Ela demora quase uma semana para finalizar uma fotografia: ‘As pinturas de D. Telma não são tão ‘populares’, custam em média R$ 50.Na sua cidade, Crato, praticamente não há família tradicional que não tenha fotografias de Telma’, conta Riedl. Já mestre Julio é bastante conhecido em Fortaleza, tem grande estúdio de foto-pintura e pintores que o ajudam a finalizar as imagens. ‘Ele virou quase um personagem cult para fotógrafos jovens de Fortaleza’, diz o professor.

Além dos originais desses fotógrafos e de anônimos, a mostra apresenta ainda um ensaio de Tiago Santana, que documenta esse tipo de trabalho acompanhando os profissionais ou registrando a presença dessas imagens nas casas do interior do Ceará.

(SERVIÇO)Retrato Popular. Pinacoteca do Estado. Praça da Luz, 2, tel. 3229-9844, metrô Luz. 3.ª a dom., 10 h às 18 h. R$ 4 (sáb. grátis). Até 5/11