Resgatando os caminhos dos tropeiros

O Estado de S. Paulo - Suplemento Viagem - Terça-feira, 17 de agosto de 2004

ter, 17/08/2004 - 9h56 | Do Portal do Governo

Espaço Aberto

Marco Antonio Castello Branco

Eles surgiram com a exploração do ouro, mas não eram mineiros. Firmaram-se com o transporte de gado, mas não eram vaqueiros. Dedicaram-se ao café, mas não eram lavradores. Viviam a levar e trazer produtos, mas não eram caixeiros-viajantes. Eram tropeiros, homens de hábitos simples, riso largo, sem parada, mas com destino certo. Eles ajudaram a desbravar este País, enfim.

Os tropeiros têm lugar especial na história do Brasil. Apareceram entre os séculos 17 e 19. Viajavam no lombo de burros e mulas, suprindo as necessidades de alimentos dos exploradores de minas entre as regiões Sul e Sudeste do País. Enfrentavam sol escaldante, chuva cortante e, muitas vezes, deram com os burros n’água, como diz a expressão que, usada até hoje, é apenas uma das heranças dos tropeiros.

O dito teria vindo de uma lenda que conta que dois tropeiros disputavam um cliente – o que chegasse primeiro ao destino ganharia. Um escolheu carregar algodão, por ser leve. O outro, sal, pelo volume. Cada um tomou seu rumo, mas ambos tiveram de enfrentar um rio inesperado e as cargas de algodão e de sal se perderam. O algodão adquiriu enorme peso e o sal se perdeu nas águas. Moral da história: deram com os burros n’água!

Essa e outras histórias permeiam a rica vida dos tropeiros, responsáveis pela criação e pelo desenvolvimento de diversas cidades brasileiras, pelo traçado original da BR-116 e pelo surgimento do famoso arroz-de-carreteiro, entre outros tantos feitos. Resgatá-los é, no mínimo, revisitar o passado para entender e dar valor ao Brasil de hoje.

Há muitas histórias desse período para serem contadas e nada melhor para aprendê-las do que refazer esse percurso. Assim, os governos do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo, em uma ação conjunta, estão lançando o Caminho das Tropas, saindo de Viamão (RS) e chegando a Sorocaba (SP), cidade onde o projeto será apresentado no dia 10 de setembro.

A idéia é realizar uma exposição itinerante que conte a história dos tropeiros e lançar um livro de receitas do caminho, um guia turístico do Roteiro das Tropas, o diário da tropeada e um livro didático, além de treinar professores da rede pública para passar aos estudantes a importância dessa fase da História para os municípios envolvidos.

Todas essas ações devem contar com parcerias, tanto de associações ligadas às áreas de turismo e cultura quanto da iniciativa privada, já que a maioria delas pode se beneficiar de leis municipais, estaduais e federais de incentivo.

Em paralelo a essa proposta, o governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria da Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo, elaborou o projeto Rota dos Tropeiros. O circuito corresponde ao trecho paulista do Roteiro das Tropas, que vai de Itararé a Sorocaba, passando por Itaberá, Itapeva, Taquarivaí, Buri, Campina do Monte Alegre, Capão Bonito, Ribeirão Grande, Angatuba, São Miguel Arcanjo, Itapetininga, Sarapuí, Capela do Alto, Alambari e Araçoiaba da Serra, beneficiando 16 municípios. No Vale do Paraíba, a tropeada envolverá os municípios de Aparecida, Cunha, Jacareí, Jambeiro, Paraibuna, Santo Antonio do Pinhal, São José dos Campos, Silveiras e Taubaté.

Vale ressaltar que essas rotas permitirão a criação de trabalho e renda para os moradores das comunidades da região. Com a passagem da tropeada, hotéis, pousadas, restaurantes, bares, lanchonetes e museus ganharão vida nova. O artesanato e a culinária típicos da região também serão beneficiados. É a cadeia produtiva do turismo trazendo o desenvolvimento.

Se por um lado as necessidades da vida moderna nos levam a criar atalhos, por outro não temos o direito de deixar escapar a oportunidade do reconhecimento histórico. Nenhum país do mundo se faz grande sem preservar suas raízes. Nesse sentido, o Brasil não é diferente dos demais. Somos jovens em relação ao Velho Mundo, mas até os jovens têm histórias inesquecíveis. Índios, jesuítas, bandeirantes, escravos, monarcas, imigrantes europeus, asiáticos, africanos e americanos e os tropeiros, enfim, todos têm importante participação na história e construção do Brasil.

Este é um País de todos e sempre será para todos. A riqueza de nossa cultura não pode se perder pelos caminhos do progresso.

Marco Antonio Castello Branco é secretário-executivo de Turismo do Estado de São Paulo.