Réquiem de Verdi abre ano da Osesp Missa em Novo CD

O Estado de S.Paulo - quarta-feira, 8 de março de 2006

qua, 08/03/2006 - 14h10 | Do Portal do Governo

Sob comando do maestro John Neschling, orquestra interpreta a partir de hoje uma das grandes peças do compositor italiano J.L.S.

João Luiz Sampaio

Como é costume ocorrer com as grandes obras da música do século 19, também o Réquiem de Verdi já foi gravado por diversos maestros e orquestras. Havia até uma versão de “época”, comandada pelo inglês John Elliot Gardiner e a Orquestra Revolucionário e Romântica. Pois agora são duas. No fim de 2005, a RCA lançou um novo registro com a Filarmônica de Viena e o maestro Nikolaus Harnoncourt, um dos papas da música interpretada segundo o espírito da época em que foi composta, grande intérprete de Bach e Mozart. Não é a primeira incursão de Harnoncourt pelo universo de Verdi. Em 2001, como homenagem ao centenário da morte do compositor, o maestro havia lançado uma Aida. Seu Réquiem não chegou ainda ao mercado brasileiro. Mas a crítica internacional ressalta a sua preocupação com andamentos mais lentos – o mesmo ocorria na Aida -, tentando ressaltar, segundo disse Harnoncourt em entrevista, o “lado espiritual” da peça a partir da atenção em detalhes e na articulação, mesmo que em alguns momentos seja preciso sacrificar os afãs dramáticos da partitura. Segundo o crítico do inglês The Guardian, é como se em alguns momentos, como o Dies Irae, ele preferisse sugerir “um sentimento ritual em vez de um terror explosivo”. É um resultado diferente, sem dúvida, escreve Tim Ashley. “Mas maestros como Carlo Maria Giulini ou Victor De Sabata conseguem ressaltar espiritualidade ao mesmo tempo em que se mantêm mais próximos das intenções originais da partitura.”Ópera ou música litúrgica? Talvez tenha sido um crítico presente à estréia da Missa de Réquiem, de Verdi, quem melhor definiu o espírito da peça ao dizer que se tratava de uma “ópera com vestimentas ecumênicas”. Lá está toda a força dramática do autor de óperas, mas dando vida ao texto da missa dos mortos da tradição católica. No fim das contas, o Réquiem é um dos monumentos da música ocidental. E vai abrir a partir de hoje a temporada deste ano da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo.

A peça foi escrita em 1874, homenagem de Verdi ao escritor Alessandro Manzoni. Na verdade, sua seção final, o Libera me, era parte de um projeto anterior – quando Rossini morreu, Verdi e outros compositores juntaram esforços para escrever a várias mãos um réquiem em sua homenagem. A obra acabou engavetada, só sendo estreada em 1988, por Helmut Rilling. E Verdi utilizou o Libera me em seu projeto-solo de compor uma homenagem a Manzoni, que considerava “um grande humanista”, um dos últimos herdeiros “da grande tradição clássica italiana”.

A base da obra é o texto litúrgico que inspirou também outros compositores a escreverem suas missas de réquiem. Mas além da força dramática que a peça de Verdi carrega, o que para alguns transforma a obra mais em uma ópera do que qualquer outra coisa, um fato “complicador” é a posição religiosa de Verdi. Em uma ópera como Don Carlo, que é ambientada na Espanha controlada pelos tribunais da Santa Inquisição, o compositor não deixa dúvidas: agnóstico, ele vê a Igreja como uma instituição moralmente corrupta, como uma força opressiva. Há poucas referências deixadas por Verdi também sobre sua relação, mesmo que pessoal, independente do intermédio de religiões, com Deus.

Tudo isso acaba transformando o seu Réquiem em um caso bastante especial. E leva a crer que a tal força dramática de sua escrita não seja apenas fruto da vivência no palco operístico. Mais do que isso, o que Verdi traz de sua experiência anterior é a sinceridade com que escreve, o modo como suas crenças se deixam entrever ao longo de sua obra. E aí a partitura acaba repleta de ambigüidades, com climas contraditórios e sempre muito impactantes.

É fascinante ouvir, por exemplo, a maneira como Deus aparece tanto como uma força piedosa (em momentos como o Lux Aeterna) quanto como um juiz aterrador (Dies Irae) ou ainda como o grande arquiteto das belezas da criação (Sanctus). E Verdi termina seu Réquiem com o Libera me, pedido de redenção que as almas evocam incessantemente no fim da obra, quando a música sugere que Deus não está mais presente. É impressionante.

A execução estará a cargo do maestro John Neschling. Ele comanda a Osesp, o Coro da Osesp e o Coro da Fundação Príncipe de Astúrias, convidado especialmente para as apresentações, assim como os solistas Hasmik Papian (soprano), Mzia Nioradze (meio-soprano), Miroslav Dvorsky (tenor) e Francesco Ellero D’Artegna (baixo).

SERVIÇO

Missa de Réquiem, de Verdi. Sala São Paulo (1.501 lugares). Pça Júlio Prestes, s/n.º, centro, 3337-5414,metrô Luz. Hoje, 16h30. R$ 25 a R$ 79