Remédios na Dose Certa

Vale Paraibano - Sexta-feira, 26 de Agosto de 2005

sex, 26/08/2005 - 11h14 | Do Portal do Governo

Luiz Roberto Barradas Barata

Durante duas décadas, os brasileiros lutaram arduamente pelo direito ao voto direto. A campanha das ‘Diretas Já’, de viva memória, marcou a virada democrática, consolidada quatro anos depois pela Constituição Federal de 1988, que garantiu novamente aos cidadãos possibilidade de elegerem seus governantes. Naquele mesmo ano, 1988, o país obteve outra conquista sem precedentes, com a instituição do SUS (Sistema Único de Saúde), também fruto de uma dura batalha para assegurar a todos, sem distinção, acesso gratuito a consultas, exames, cirurgias e a devida assistência farmacêutica, antes reservados apenas aos trabalhadores que contribuíam para a Previdência Social.

Eleições diretas e universalidade no atendimento em saúde. Sem dúvida, dois feitos históricos, sinais inequívocos de democracia e progresso. Ao longo dos últimos 17 anos, tanto o sistema eleitoral quanto o SUS passaram por ajustes e reavaliações, em constante aperfeiçoamento, e não restam dúvidas de que muito ainda é preciso para que ambos cheguem ao seu ponto ideal.

O SUS, embora com normas definidas quanto à competência das esferas federal, estaduais e municipais, não estabelece, sob o ponto de vista legal, regras claras para a distribuição de medicamentos à população. A Constituição Federal prevê que todo brasileiro tem direito à assistência farmacêutica gratuita. No entanto, não há leis para estabelecer critérios ou parâmetros para o exercício desse direito.

A assistência farmacêutica gratuita vem crescendo de forma acentuada no país. Para se ter uma idéia, o governo do Estado distribuiu, em 2004, seis milhões de medicamentos de alto custo, beneficiando cerca de 200 mil pacientes portadores de doenças raras e crônicas, num investimento de aproximadamente R$ 480 milhões, entre recursos estaduais e federais.

Todos os medicamentos distribuídos pelo SUS no Brasil são padronizados pelo Ministério da Saúde. Isso significa que existe todo um mapeamento das drogas disponíveis no mercado nacional e internacional, avaliação de eficácia e controle de farmacovigilância para que cada remédio seja aprovado e passe a integrar a lista de itens disponíveis na rede. Trata-se de um trabalho técnico, feito por especialistas do mais alto gabarito.

No entanto, como a letra fria da Constituição se pronuncia apenas em relação ao direito à assistência farmacêutica gratuita, cresce em todo o país o número de ações judiciais contra municípios, Estados e União, solicitando a entrega de medicamentos muitas vezes não padronizados, de eficácia duvidosa ou sem registro da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Na maioria dos casos essas ações, propostas por advogados ou pelo Ministério Público, são deferidas pelos juízes, que por vezes não entendem a complexa dinâmica da dispensação de remédios e acabam expedindo liminares ou mandados de segurança para assegurar a entrega de medicamentos sequer testados, o que se configura, indubitavelmente, em risco à saúde pública.

Embora o SUS possua uma vasta relação de medicamentos padronizados, é possível solicitar à Secretaria, em situações especiais, remédios não padronizados pelo Ministério da Saúde. Trata-se de um processo administrativo, analisado caso a caso, e aprovado quando se comprova real necessidade do paciente.

Ocorre que o atendimento a esses pedidos por vezes é prejudicado por um mandado de segurança que determina a entrega do mesmo medicamento, em prazo de 48 horas, a outra pessoa que dispunha de recursos para a contratação de um advogado. Ou seja, para cumprir uma determinação judicial, a Secretaria acaba passando o beneficiário da ação na frente e entregando o remédio antes destinado a um paciente que realmente dele necessitava a outra pessoa com mais recursos financeiros para contratar um advogado. Situação injusta, para dizer o mínimo.

O crescimento em progressão geométrica do número de ações judiciais compromete os já parcos recursos do SUS, retirando verbas de outros programas de saúde e prejudicando, inclusive, a própria entrega regular de remédios na rede pública. Urge, portanto, a regulamentação da assistência farmacêutica sob o ponto de vista legal, estabelecendo-se, definitivamente, parâmetros claros e técnicos para a correta e justa distribuição de medicamentos à população.