Remédios na dose certa

Gazeta Mercantil - Terça-feira, 23 de agosto de 2005

ter, 23/08/2005 - 11h25 | Do Portal do Governo

Durante duas décadas, os brasileiros lutaram pelo direito ao voto direto. A campanha das ‘Diretas Já’ marcou a virada democrática, consolidada pela Constituição Federal de 1988, que garantiu aos cidadãos possibilidade de elegerem seus governantes. No mesmo ano, o País conquistou o Sistema Único de Saúde (SUS), criado para assegurar, sem distinção, acesso gratuito a consultas, exames, cirurgias e assistência farmacêutica.

Ao longo dos últimos 17 anos, tanto o sistema eleitoral quanto o SUS passaram por ajustes, mas muito ainda é preciso para que ambos cheguem ao ponto ideal.

A eleição direta tem normas claras e definidas pela lei. Comparando-se por analogia, podemos dizer que o SUS, embora com normas definidas quanto à competência das esferas federal, estaduais e municipais, não estabelece, sob o ponto de vista legal, regras claras para a distribuição de medicamentos à população. A Constituição prevê que todo brasileiro tem direito à assistência farmacêutica gratuita. No entanto, não há leis para estabelecer critérios para o exercício desse direito.

A assistência farmacêutica cresce de forma acentuada. O governo de São Paulo distribuiu, em 2004, 6 milhões de medicamentos de alto custo a 200 mil pacientes, num investimento de R$ 480 milhões, entre recursos estaduais e federais. O número de beneficiados e remédios entregues dobrou em relação a 2003. Isso sem contar a entrega de remédios básicos do programa Dose Certa aos municípios paulistas, que em 2004 atingiu 1,2 bilhão de unidades distribuídas.

Todos os medicamentos distribuídos pelo SUS são padronizados pelo Ministério da Saúde. Isso significa que existe um mapeamento das drogas disponíveis no mercado nacional e internacional, avaliação de eficácia e controle de farmacovigilância para que cada remédio seja aprovado e passe a integrar a lista da rede pública. No entanto, cresce em todo o País o número de ações judiciais solicitando a entrega de remédios não padronizados ou sem registro da Anvisa.

Na maioria dos casos essas ações são deferidas pelos juizes, que por vezes, acabam expedindo liminares ou mandados de segurança para assegurar a entrega de medicamentos sequer testados.

O Estado de São Paulo gastou, em 2004, R$ 48 milhões no cumprimento de ações judiciais. Somente no primeiro semestre deste ano foram mais R$ 86 milhões. A continuar assim, é possível que o valor despendido com ações judiciais supere, neste ano, os totais destinados à compra regular de medicamentos para distribuição na rede pública.

Embora o SUS possua uma relação de medicamentos padronizados, é possível solicitar à Secretaria, remédios não padronizados. Ocorre que o atendimento a esses pedidos por vezes é prejudicado por uma decisão judicial que determina a entrega do mesmo remédio, em 48 horas, a uma outra pessoa com recursos para contratar um advogado. Além disso crescem as suspeitas de solicitação de remédios feita por médicos a serviço da indústria farmacêutica, interessada em vender seus novos produtos.

O aumento do número de ações compromete os recursos do SUS. Urge regulamentar a assistência farmacêutica, estabelecendo-se parâmetros claros e técnicos para a distribuição de remédios.

Luiz Roberto Barradas Barata – Luiz Roberto Barradas Barata, 52, é médico sanitarista e secretário de Estado da Saúde de São Paulo)