Rede busca patentes sobre biodiversidade

Folha de S. Paulo - 5/6/2003

qui, 05/06/2003 - 9h34 | Do Portal do Governo

Claudio Angelo


Editor Assistente da Folha

Fapesp lançará hoje programa para produzir inovação a partir de espécies paulistas

Depois de terem passado cinco anos em campo estudando, coletando e catalogando espécimes de fauna e flora do Estado, pesquisadores de São Paulo se preparam para a ‘fase dois’: ajudar a transformar o conhecimento acumulado sobre a biodiversidade em dinheiro. Eles lançam hoje na capital paulista o embrião da primeira rede de bioprospecção do país.

A RedeBio, acrônimo de Rede Biota de Bioprospecção e Ensaios, (www.redebio.org.br) é uma filha do programa Biota da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), que desde 1998 se dedica ao estudo da diversidade biológica paulista.

O objetivo do novo programa, também financiado pela Fapesp, é gerar inovação tecnológica, na forma de medicamentos, cosméticos ou produtos alimentícios, a partir de substâncias puras ou extratos obtidos pelos cientistas do Biota com base em plantas, fungos, microrganismos e animais.

Esses extratos seriam testados contra câncer, malária, leishmaniose e mal de Chagas, e também como analgésicos.
‘Se eu identifiquei uma enzima que pode servir de alvo contra o tripanossoma [causador do mal de Chagas], posso fazer um ‘screening’ [varredura] de substâncias que atuam sobre essa enzima’, exemplifica Glaucius Oliva, do Instituto de Física da USP de São Carlos, um dos coordenadores da RedeBio.

‘A intenção é agregar valor àquilo que o Biota tem feito em relação ao conhecimento da biodiversidade do Estado de São Paulo’, disse Oliva à Folha.

As substâncias isoladas pela rede -estimam-se cerca de 10 mil extratos por ano a partir de 2004- serão depositadas num banco de acesso fechado. Empresas que quiserem pesquisar essas substâncias para produzir um remédio, por exemplo, precisarão fazer um contrato com a Fapesp.

Patentes

As patentes, quando -e se- vierem, serão repartidas entre a fundação, as instituições acadêmicas responsáveis e a indústria.

Isso evitaria problemas como o polêmico acordo da empresa paraestatal Bioamazônia com a multinacional farmacêutica Novartis, em 2000, para fazer bioprospecção na Amazônia -que daria à gigante suíça a exclusividade sobre pesquisas da biodiversidade amazônica.

De outro lado, aumentaria também a participação de cientistas brasileiros no processo de descoberta de medicamentos, diferentemente do que ocorre com países como a Costa Rica. Lá, segundo Oliva, os pesquisadores locais acabam atuando como meros coletores de espécimes para cientistas estrangeiros.

‘Uma coisa é passar para a indústria farmacêutica o extrato bruto. Outra é avançar na pesquisa’, diz a cientista Vanderlan Bolzani, do Instituto de Química da Unesp de Araraquara.

A criação da rede pela Fapesp reflete também um problema crônico da pesquisa no Brasil: os investimentos em inovação tecnológica são assumidos pelo Estado, não pela iniciativa privada.

Em outros países, a busca de novas substâncias de potencial interesse farmacêutico é realizada pelas empresas. O processo é caro, lento e altamente arriscado. A maioria das descobertas jamais chega a virar uma droga.

Segundo Oliva, empresas farmacêuticas brasileiras não têm dinheiro para aplicar em todo o processo -da prospecção à farmácia, uma pesquisa farmacêutica pode levar uma década.

O capital de risco para investimentos desse tipo também costuma passar longe do Brasil. Uma exceção foram os projetos genoma da Fapesp, que atraíram esse capital e deram origem a duas empresas, a Alellyx (genômica) e a Scilla (bioinformática).

Oliva e Bolzani dizem esperar que a RedeBio vá ter um efeito semelhante. ‘Podemos ter empresas envolvidas em diferentes momentos’, diz o cientista da USP.

O grupo de Bolzani, em Araraquara, de onde partiu a idéia de uma rede de bioprospecção, já conhece esse envolvimento. Em cinco anos, ele reuniu 1.500 extratos prontos e duas patentes pedidas de substâncias puras modificadas. Uma delas despertou interesse do laboratório Eurofarma, que quer pesquisar uma droga.

‘Também temos dois projetos com financiamento do Fundo Verde-Amarelo [de inovação], um com a Natura e outro com a Eurofarma’, diz a química. ‘A indústria está interessada.’