Redação e questões gerais. Febem faz seu 1º provão

O Estado de S. Paulo - Sexta-feira, 29 de julho de 2005

sex, 29/07/2005 - 9h09 | Do Portal do Governo

Internos passaram por dois dias de testes na semana passada. Só uma minoria não domina o alfabeto e não sabe fazer contas

Luciana Garbin

‘Pai estou escrevendo esta humilde carta para o senhor com muito carinho e com muitas saudades. E eu estou pedindo um conselho para mim realizar meu projeto de vida para o meu futuro daqui para frente espero que você me ajude eu, estou confiando em você. Pai eu estou estudando e eu pretendo ser eletricista, eu vou terminar o meu terceiro colegial e quando eu terminar quero que você me ajude a pagar qualquer faculdade para mim me formar em eletricista, que é o meu projeto de vida para o meu futuro.’

Assim, em meio a palavras de esperança e erros de português, F., de 16 anos, resumiu ao pai seu projeto de vida. Mas não numa carta comum. Um dos cerca de 6.500 internos da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem), ele falou de seus sonhos na redação do primeiro provão da instituição, realizado na semana passada nas 74 unidades do Estado.

Em dois dias de prova, adolescentes responderam a testes de conhecimento geral – divididos por ensino fundamental ou médio – e escreveram uma redação endereçada a um amigo ou parente, contando seu projeto de vida. A partir das notas obtidas na prova, eles serão divididos em três níveis – I (1ª a 4ª série, com desempenho insuficiente no provão), II (1ª a 4ª, com desempenho satisfatório, ou 5ª a 8ª) e III (ensino médio). Na segunda-feira, quando recomeçarem as aulas na Febem, cada unidade terá três classes – uma para cada nível -, em vez de todas as séries separadas, como antes. As turmas deverão ter de 12 a 20 alunos.

Ontem, com 5.097 provas corrigidas, 428 haviam sido classificados no Nível I – grupo que não domina o alfabeto e não sabe fazer contas -, 3.482 no II e 1.187 no III. O provão foi montado por funcionários da Febem coordenados por Maria Inês Fini – que participou da criação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) – com apoio da Secretaria de Estado da Educação.

Segundo a presidente da Febem, Berenice Maria Gianella, os números finais do provão só sairão no dia 20, mas o índice de adolescentes que aceitou fazer a prova – 95% do total – já superou expectativas. ‘Pela primeira vez em muitos anos, a Febem avaliou seus internos e houve muitos casos de alunos que avançaram’, disse.

Berenice conta que 80% dos internos têm grau de escolaridade inferior à idade. Por vergonha, muitos mentem ao entrar na Febem e acabam dizendo que estão num grau mais avançado, mas depois não conseguem acompanhar as aulas. Essa defasagem se reflete nas redações. ‘Quéro que a senhora pégue os meus documentos e léve o mais rapido possível em algumas firmas por aí perto de casa, pois eu vi na reportagem ontem, que as firmas abriram algumas vagas para meninos intérnos da Febem’, escreveu C., de 16 anos, para a mãe.

A esperança de um futuro melhor está presente na maioria das redações. ‘Queria te dizer que me arrependo pelos meus atos infracionais e já me encontro pronto para voltar a sociedade. Por isso pesso me ajuda para que eu possa voltar a sociedade com um emprego’, disse N., de 18, também para a mãe. Nos textos, aparece ainda a revolta pela situação de exclusão. ‘Eu queria ter amigos não cê discriminado pela çociedade’, escreveu V., de 17 anos.

Para o professor da Faculdade da Educação da Pontifícia Universidade Católica (PUC) Artur Costa Neto, o mais importante para que o projeto dê certo é criar no aluno o interesse pelo conhecimento, com professores capacitados. Também é preciso adotar um currículo ligado a temas da vida do adolescente. ‘À medida que conseguirem isso, acho que poderão ter sucesso’, diz. ‘Muito mais importante que querer dar seqüência num conteúdo na aula é ensinar o aluno a pensar e a gostar da leitura. Aí, não importará se ele ficará na Febem 30 dias ou um ano. Terá sido um período rico e não haverá interrupção do conteúdo.’