Rebeldes sem causa

O Estado de S. Paulo - Sexta-feira, 16 de julho de 2004

sex, 16/07/2004 - 9h20 | Do Portal do Governo

EDITORIAL

O que mais tem chocado nas manifestações vandálicas dos estudantes das três universidades estaduais paulistas (USP, Unesp e Unicamp), como a que há dias obrigou a Unicamp a obter na Justiça a reintegração de posse do prédio da Reitoria, depois de uma invasão que deixou um rastro de depredação – com portas e vasos quebrados, pichações, mesas e gavetas remexidas, papéis jogados pela janela, etc. – ou a mais recente, na qual estudantes – e professores!! – da USP invadiram o plenário da Assembléia Legislativa, durante a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), não é a sensação de impunidade, que lhes permite praticar todo o tipo de desrespeito a instituições públicas e às regras civilizadas do convívio social. Não é a violência disparatada de pessoas que nem de longe são carentes ou necessitadas, que não tendo sido atendidas em suas injustificadas reivindicações optaram pelo vandalismo em desespero de causa – e bem sabemos que nas universidades públicas costumam entrar os privilegiados que puderam contar com um bom preparo nas bem remuneradas escolas particulares, e que, no mais das vezes, foram dispensados de dividir a jornada de estudo com a de trabalho, por contarem também com a ajuda familiar. Não é, tampouco, a falta de confiança desses jovens – pois é a estes que aqui nos referimos, e não aos professores e servidores das universidades que os acompanham nas greves – na própria capacidade de persuasão, com argumentos, para a reivindicação genérica de ‘aumento de verbas para as escolas públicas’, razão pela qual resolveram ‘partir para a ignorância’. Por sobre tudo isso, o que mais choca, realmente, é o vício corporativista, elitista e egoísta – por eles, jovens, tão freqüentemente apontados em figuras públicas e integrantes da classe política cabocla – tão cedo instalado no espírito dos que parecem destituídos da generosidade idealista (que se supunha) própria da juventude.

O governador Geraldo Alckmin reagiu com discernimento e firmeza, tanto ao condenar com veemência a atitude dos estudantes na Assembléia – dizendo que ‘democracia pressupõe respeito’ e que aquele fora ‘um ato de vandalismo inaceitável’ – como na argumentação utilizada para o não atendimento da reivindicação dos manifestantes. Entrando no mérito da questão, disse ele que para aumentar o repasse de recursos às universidades estaduais precisaria tirar dinheiro dos ensinos fundamental e médio – que atendem a cerca de 5 milhões de pessoas – em favor de alguns milhares de privilegiados universitários; que o Estado de São Paulo já investe 31% do Orçamento em educação, o que representa 1 ponto porcentual a mais do que a lei estadual exige; e que, por esse motivo, não teria condição alguma de aumentar de 9,57% para 11,6% o porcentual do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) destinado às três universidades estaduais, como pleiteiam os que completaram 50 dias de greve.

A pretexto da reivindicação de um reajuste salarial de 16% – e aqui não cabe entrar no mérito específico deste reajuste -, os grevistas querem aumentar a fatia porcentual fixa do orçamento, para a área educacional. Dizem – como esclarece o diretor do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp), Magno Carvalho (na Folha de S. Paulo de quinta-feira) – que ‘não querem tirar dinheiro do ensino fundamental e médio’ e que o comentário do governador, a esse respeito, pretendia ‘colocar a população contra o nosso movimento’.

Ora, o governador paulista, que bem sabe – porque não é um administrador irresponsável, muito pelo contrário – da necessidade de repassar recursos orçamentários a setores também prioritários, como o da extensão das linhas do Metrô, o da Saúde, o da Segurança Pública, o da Habitação, o do Saneamento Básico e tantos outros, tem não só o direito, mas o dever de esclarecer a população ‘contra’ um movimento como esse, condenável tanto por seu conteúdo – baseado em reivindicação de todo descabida – como por sua forma, que é a do desrespeito, da predação e do vandalismo.

Quanto aos jovens estudantes, que parecem ignorar e desprezar todas as carências que os rodeiam, ao desejarem ser ainda mais beneficiados – do que já são – com dinheiro público, só restaria dizer que há muitas causas nobres às quais poderiam dedicar seu inconformismo rebelde próprio da juventude, em vez de agirem como rebeldes sem causa.