Quem vai ler nosso futuro?

Folha de S. Paulo - Tendências/Debates - Quinta-feira, 7 de outubro de 2004

qui, 07/10/2004 - 9h46 | Do Portal do Governo

CLÁUDIA COSTIN

As pesquisas de mercado e avaliações do ensino médio e superior não deixam dúvidas: o brasileiro lê pouco, muito pouco.

Baixa escolaridade e baixo poder aquisitivo certamente estão entre as causas da pouca afeição à leitura. Mas não há dúvida de que a falta de incentivo é uma grande indutora desse processo, que deixa milhares de brasileiros à margem da cidadania. Cabe ao Estado mudar esse quadro. E é possível fazê-lo com uma política cultural destinada a aumentar o espaço dedicado às letras, formar o hábito da leitura e tornar o livro um objeto acessível para qualquer pessoa.

Ler é uma atividade fundamental para que as civilizações promovam a circulação de idéias, a geração e a troca de conhecimento. É pela leitura que a pessoa se prepara para pensar, compreende melhor o mundo e se torna apta a solucionar problemas. Mas o livro é, acima de tudo, prazer estético, entretenimento, encantamento. E ninguém se encanta pelo que desconhece, pelo que lhe é tão distante e indiferente. Algum estímulo é necessário. O que, no caso, passa pela família, pela escola e, em última instância, por uma política pública adequada.

Segundo a Câmara Brasileira do Livro, 61% dos brasileiros adultos alfabetizados não têm praticamente contato nenhum com livros. A leitura atrai apenas um terço dos alfabetizados -praticamente todos das classes A e B-, e mais da metade dos compradores de livros está em apenas seis Estados, das regiões Sul e Sudeste, justamente os mais ricos. Ou seja, assim como a renda, a leitura também é concentrada neste país marcado pela exclusão social.

A desigualdade retratada pelos números se realimenta a cada dia de um círculo vicioso: o jovem que não lê se transforma no pai que se mantém ao largo dos livros ou no professor sem leitura, ao qual falta a consciência crítica necessária para o exercício de educar. Um moto-contínuo garantido pela dificuldade de acesso a livros, jornais e revistas, seja por questões econômicas, seja pela inexistência de livrarias ou bibliotecas.

O Brasil tem hoje apenas 1.500 livrarias, enquanto o ideal seria existirem pelo menos 10 mil. E mais: cerca de 1.300 municípios brasileiros das regiões mais pobres não dispõem de nenhuma biblioteca. Uma realidade que faz da formação de leitores um dos maiores desafios educacionais do país.

Uma política cultural que nos permita enfrentar e vencer esse desafio terá de levar em conta alguns fatores. O primeiro deles é que crianças, jovens, adultos e idosos têm necessidades diferentes e precisam ser atendidos de forma distinta. As publicações infanto-juvenis, por exemplo, podem combinar conteúdo educacional com textos atraentes. Temos grandes autores no segmento infantil, mas poucas publicações de qualidade para jovens de 13 a 17 anos, o que se pode mudar com uma política articulada de incentivo.

De qualquer forma, o bom livro de nada adiantará se não puder chegar à mão do leitor. Por isso, deve-se incentivar a criação de bibliotecas públicas, escolares e comunitárias que funcionem até mesmo à noite e nos fins de semana. Quando a escola já tiver uma biblioteca, que ela seja aberta à comunidade, principalmente nos municípios mais pobres, para que toda a população possa ter contato com os livros. Claro, é preciso capacitar os professores e bibliotecários para que trabalhem como agentes incentivadores da leitura.

Quando aumentarmos o número de bibliotecas e de leitores, naturalmente abriremos espaço para baratear o preço do livro, outro entrave na disseminação do hábito da leitura. Novamente estamos diante de um problema de gestão pública: no Brasil, apenas 1% da produção editorial destina-se às bibliotecas, enquanto nos Estados Unidos 30% dos livros editados são adquiridos pelos acervos públicos.

Nossa experiência na Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo comprova que há soluções simples e com impacto imediato na transformação de habitantes de municípios com baixíssimo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) em leitores apaixonados, aptos a aprender e a se desenvolver ao longo da vida.

Os resultados já alcançados reforçam a convicção de que só pela leitura conseguiremos realmente fazer de cada brasileiro um cidadão pleno. Um cidadão capaz de pensar e construir um futuro em que desenvolvimento pressuponha inclusão social.

Cláudia Costin, 48, mestre em economia pela Escola de Administração da FGV-SP, é a secretária da Cultura do Estado de São Paulo. Foi ministra da Administração Pública e Reforma do Estado (governo Fernando Henrique Cardoso).