Projeto quer escola de moda no Bom Retiro

Folha de S. Paulo - São Paulo - Quinta-feira, 28 de outubro de 2004

qui, 28/10/2004 - 9h34 | Do Portal do Governo

Ricardo Almeida, que faz ternos de Lula, Clô Orozco e Amir Slama propõem ao Estado modelo diferente de curso

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Juntar em um desfile os estilistas Ricardo Almeida, que faz os ternos do presidente Lula, Clô Orozco (Huis Clos) e Amir Slama (Rosa Chá) não é tarefa fácil. Numa escola de moda, então, parece improvável. E se a escola for no Bom Retiro? Se você acha impossível, jogue no lixo a sua bola de cristal.

O trio assina hoje um protocolo com o governo do Estado de São Paulo que dá início a um processo que visa criar uma escola que quer mudar o ensino de moda no país.

O plano dos estilistas é que a escola funcione no Bom Retiro, bairro da região central de São Paulo que é o epicentro da moda popular no país, em um prédio de 1893. O edifício abrigou o Desinfetório Central da cidade, instituição que cuidava da desinfecção das casas no início do século passado assim que acontecia por ali um caso de doença epidêmica. Atualmente, ele é dividido entre o setor de transportes da Secretaria de Estado da Saúde e o Museu Emílio Ribas.

‘Eu já tinha pronto um projeto de escola de moda. Acho sensacional se ele puder ser implantado no Bom Retiro porque o bairro em si já é uma escola de moda’, afirma Ricardo Almeida. Se o plano der certo, o estilista será o diretor da unidade.

Além da escola

O projeto da Escola Superior de Moda de São Paulo é uma iniciativa do Núcleo de Ação Empresarial do Projeto Bom Retiro, uma organização não-governamental (ONG) da qual fazem parte desde estilistas até empresários, comerciantes e urbanistas.

O projeto apresentado é ambicioso: ele quer recuperar a malha urbana do bairro e ao mesmo tempo colocar a produção de moda das confecções de lá no compasso dos mercados globais, com o foco na exportação.

‘A escola deve ser a âncora do projeto porque poderá repassar novas tecnologias para as empresas’, afirma o arquiteto Cleiton Honório de Paula, diretor do Projeto Bom Retiro.

Ensino errado

Almeida teve o estalo de criar a escola a partir de preocupações mais modestas: acha que os cursos de moda ensinam de maneira ‘totalmente errada.’

‘Quem gosta de criação tem o olhar mais desenvolvido e não escuta direito. O negócio dela é o olhar. As escolas estão erradas porque privilegiam a fala’, afirma o estilista.

Clô Orozco diz sentir na pele a falta de preparo dos estudantes que saem das faculdades. ‘Os cursos são muito elementares. Os alunos não aprendem a construir uma roupa e não sabem como funciona a indústria.’

A ausência de aulas práticas nas escolas é o maior dos problemas, porém não é o único existente, de acordo com Carlos Simões, consultor da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção), que já deu aulas nas quatro faculdades de moda que existem em São Paulo.

‘As faculdades e o mercado não conversam e isso vai virar um desastre se não for corrigido. A mão de obra formada não interessa ao mercado’, diz ele.

As faculdades formam estilistas e gestores de produto, de acordo com Simões, mas 90% das empresas são familiares e não têm recursos para contratar esses profissionais. É por isso que as confecções do Bom Retiro exibem durante o ano todo cartazes de ‘Precisa-se de modelista’.

Não dá para ser competitivo no mercado externo de moda com problemas tão elementares, acredita o consultor da Abit.

Outra prática que será adotada, segundo Simões, é a mescla de professores acadêmicos com profissionais. O modelo de escola que planeja seguir é o do Goldsmiths College, de Londres, no qual o aluno trabalha no ateliê desde o primeiro ano.

A idéia inicial é que a escola tenha cursos técnicos e de nível superior. O secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento do Estado de São Paulo, João Carlos Meirelles, afirma, no entanto, que seria uma diminuição imaginar mais uma escola técnica: ‘É um conjunto de ensino que deve responder às demandas da cadeira produtiva, que vá do fio à vitrine’, afirmou o secretário.

Por sugestão dos empresários do Bom Retiro, a escola deve ser pública, mas não estatal. Num modelo assim, os proprietários das confecções poderiam bancar parcialmente o projeto. Com a parceria, evita-se também os entraves burocráticos do Estado para compra e oferta de cursos.