Projeto em Sumaré é exemplo bem-sucedido

Correio Popular - 28/7/2003

seg, 28/07/2003 - 9h21 | Do Portal do Governo

Ronaldo Faria, da Agência Anhangüera


Correio Popular – Campinas – Segunda-feira, 28 de julho de 2003

Em fevereiro do próximo ano, o assentamento Sumaré 1 vai comemorar duas décadas de existência. Pioneiro na região, ele foi implantado pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo numa área de 237 hectares do antigo Horto Florestal da Boa Vista, pertencente na época à Ferrovias Paulista S.A. (Fepasa). No início, 53 famílias das 620 acampadas que esperavam por um lote foram assentadas. Depois, com a criação da segunda etapa, a área foi ampliada para 400 hectares e um total de 72 famílias fixou alicerces no campo. Cada uma com direito a sete hectares de terra.

Hoje, o número de famílias já passa de 100, somando filhos ou parentes que construíram residência nas glebas. Passados quase 20 anos, há a certeza de que a reforma agrária não precisa, obrigatoriamente, criar favelas rurais. Mas há, igualmente, a consciência de é que preciso existir as mínimas condições para o plantio, escoamento da safra e atendimento básico à população, fatores inexoráveis ao sucesso de qualquer empreendimento rural.

A proximidade dos assentamentos 1 e 2 do centro urbano de Sumaré é, sem dúvida, um ponto importante na história destes. Afinal, a possibilidade dos pequenos agricultores colocarem sua produção, ou mesmo buscarem serviços básicos, como Educação e Saúde, torna-se mais fácil. A proximidade garante também que as novas gerações possam buscar outros caminhos que não sejam, obrigatoriamente, a vida no campo.

Atualmente, filhos de assentados trabalham em Sumaré e, em alguns casos, obtêm postos universitários no município. Ou seja, uma virada importante na relação campo-cidade.

O sergipano José Lourenço da Silva, diretor do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Sumaré, há 28 anos no município e ligado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), conhece essa realidade desde o início. Ele ajudou a montar o acampamento pré-assentamento e ficou responsável por ajudar a definir quem iria obter o lote. “Fiz uma pesquisa para saber quem era do campo. Foram ao todo 132 reuniões para decidir quem entraria”, diz. A intenção era incluir apenas pessoas que tivessem vínculos com a terra. O pessoal que na época conseguiu o lote, de sete hectares, planta legumes, verduras, cana-de-açúcar, milho e muitas frutas. Há, ainda, quem tenha cabeças de gado. Ninguém ficou rico, mas todos estão “tocando” seu lote, como mostra João: “O básico é você se alimentar e dormir. No campo isso é possível. Além disso, a terra é um bem de Deus que o homem deve usar em nome do trabalho. Pois quando a gente morre, não leva ela junto”.

Diferença

O problema é ter condições para trabalhá-la. Mesmo em Sumaré os problemas de recursos voltados à agricultura permanecem. Nada muito diferente da realidade nacional, onde números do Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra) e da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) mostram que os agricultores familiares recebem, em média, 25,8% das verbas federais de crédito rural. O restante é voltado aos grandes proprietários.

O diretor do Sindicato de Trabalhadores Rurais acredita, porém, que isso possa mudar. “O governo federal tem agora boa intenção em colocar o homem na terra e dar trabalho para ele. Mas é preciso dar estrutura para o homem produzir, pois tristeza é ver o trabalhador sem terra e sem trabalho. Se eu não tivesse feito a ocupação, jamais teria a saúde que a vida no campo me dá. Antes era atropelado no movimento da cidade. Aqui é possível fazer a ligação do campo-cidade com clareza. Na cidade não tem como se ganhar a vida e o pão”, afirma João.

Acertos incluem transferência de terrenos

Um exemplo de agricultor bem-sucedido, pelo menos para os moldes de uma propriedade pequena, como a dos assentamentos de Sumaré, é Antonio Donizete, o “Tonho”, plantador de batatas. Ele, entretanto, pertence à uma geração que chegou depois. “Vim para aqui em 1996, depois de comprar o direito da terra de um morador antigo. Muita gente já passou o direito para frente”, explica.

Na verdade, Tonho faz parte dos “acertos” que vão acontecendo dentro dos assentamentos: a fixação posterior de pessoas que lidam com a terra no lugar de alguns assentados originais que não conseguem dar conta das dificuldades normais de um pequeno produtor.

“Veja agora: com o aumento do dólar, o pequeno agricultor se descontrolou. O adubo e o óleo diesel subiram, enquanto o preço do alimento não cresceu e, em alguns casos, até abaixou. Antes você vendia a saca de batata a R$ 8,00 e comprava o adubo a R$ 7,00. Hoje, o adubo está R$ 30,00 e a batata fica entre R$ 10,00 e R$ 12,00. Na ponta do lápis, você tem é prejuízo, se levar em conta ainda o óleo diesel gasto no trator”, explica.

Segundo ele, o maior problema no assentamento Sumaré é a água para irrigação: “A represa baixou 40%, por isso só deu para plantar dois alqueires.
Aqui se planta mais entre novembro e janeiro. A maior facilidade é a proximidade da Ceasa (Centrais de Abastecimento S.A.), em Campinas. Tenho até uma pedra lá, para vender a batata”.

Para Tonho, toda a crise passa mesmo no apoio do governo e órgãos públicos. Contudo, isso não deve ser empecilho ou desculpa para a conquista de uma vida melhor. “Tudo bem que não está fácil, mas eu vejo também que falta interesse de alguns trabalhadores em chegar lá. Não dá para você ficar parado só esperando o dinheiro do governo sair, porque aí passa o tempo de plantar ou colher. Não adianta querer que as coisas caiam do céu. Eu, por exemplo, estou tirando 3 mil caixas de batata por alqueire, quando já tirei 4 mil. É que a terra vai cansando e, como ela é pequena, não dá para descansá-la, com rotação de cultura, como deveria ser feito. Assim, o importante é ter o nome limpo para garantir crédito quando o governo falhar. O importante é lutar”, enfatiza.

A mesma idéia tem um dos líderes do assentamento, João Lourenço. “Se vocês querem saber, hoje eu acho a luta pela terra muito mais difícil do que na época que começamos com ela. Antes, o povo via um acampamento como saída para o desempregado. Mas é aquela coisa: tem governo em que você avança e tem governo que você fica estagnado. Só que é preciso ficar sempre organizado. Até hoje estamos cumprindo nossas idéias e propostas, seguindo as mesmas idéias iniciais. E a época também mudou em tamanho: se antes éramos em 600 famílias, hoje são milhares. Só que o homem nasceu para lutar e é a luta que faz ele aprender e dá a consciência para não ficar aceitando que decidam por ele”, diz.

Organização

Seguindo a linha de pensamento do MST, João ainda organiza interessados em acampar, faz levantamento de fazendas que podem ser ocupadas, dorme nas barracas e negocia a posse posterior. “É o que eu digo, sem medo de errar: cada povo tem o que me ensinar. Aprendo a cada dia e a cada luta”, sentencia.

No assentamento de Sumaré, contudo, dois aprendizados estão em toque de caixa, esperando o “combustível da luta”: o Grupo de Mulheres, que vendia uma “cesta agrícola” com produtos hortícolas produzidos localmente, parou e a Cooperativa está desativada. No primeiro caso, a morte da líder
Maria Aparecida Segura (Cida), mês passado, interrompeu a rotina de comercialização. Quanto à cooperativa, a falta de uma diretoria cessou as atividades. Se ambas, que eram uma conquista, vão voltar, só tempo poderá responder. E nessa incógnita da continuidade, o sucesso da reforma agrária também permanece no ar. (RF/AAN)

Assentamentos viram atração

O tempo de existência dos assentamentos de Sumaré trouxe junto uma ligação entre eles e a cidade. Se no passado havia restrições, agora o morador do município não vê os assentados como forasteiros, e estes participam da vida da cidade. Nessa integração, um caminho a seguir, onde as zonas rural e urbana se fundem numa mesma realidade. Mas se esta será ou não profícua, depende, e muito, também do Poder Público municipal. É dele que vem ou não o apoio aos “novos moradores”.

No caso do Pontal do Paranapanema, a maior parte dos prefeitos hoje no poder tem restrições aos acampamentos e seus ocupantes, jogando para o MST a perspectiva de melhoria deste quadro só com as eleições municipais do próximo ano e uma possível vitória de candidatos favoráveis à causa.

Já em Sumaré, o prefeito Dirceu Dalben (PPS) vê os assentamentos locais como uma realidade favorável. “O que nós vemos aqui, inclusive, são os assentamentos fazendo parte do turismo rural do município. Já vieram estudantes da Europa, Chile e Argentina, além de pesquisadores, para visitar um exemplo de reforma agrária que deu certo. Muitos agricultores, fora das área 1 e 2, inclusive, aprenderam com as pessoas que moram lá a praticar a horta comunitária. Eu, sempre que estive à frente da Prefeitura, fiz questão de apoiá-los. O Programa de Médico da Família, por meio de um módulo, por exemplo, atende a todos. Também ajudei a fundar o Sindicato Rural e a cooperativa deles”, diz Dalben.

Para o prefeito de Sumaré, “se a reforma agrária for feita de forma correta, dá certo, assim como é possível fazer gerar renda e emprego, ajudando o comércio da cidade, principalmente se a estrutura e a organização objetivaram a agricultura familiar”.

Segundo Dalben, o que é necessário neste momento de conflitos rurais pipocando, “é que os governos estadual e federal conversem mais para encontrarem saídas comuns, como, por exemplo, locais onde os acampamentos possam ser feitos, evitando a violência. A maior parte dos assentados e acampados são seres humanos que querem trabalhar. No caso daqui de Sumaré, só tenho a elogiar o trabalho desenvolvido nestes quase 20 anos”.