Progresso e meio ambiente

O Estado de São Paulo - Terça-feira, dia 18 de abril de 2006

ter, 18/04/2006 - 16h13 | Do Portal do Governo

José Goldemberg


Se há algo que caracteriza o século 20 – além de duas guerras mundiais de proporções inéditas na História da humanidade – é o fim dos impérios coloniais e o surgimento das nações “emergentes” com vibrantes economias, como a Coréia do Sul, Taiwan, China, Índia e até o Brasil em alguns períodos.

Economias vibrantes significam mais “progresso”, empregos, melhores salários e as amenidades que o dinheiro pode comprar. Apesar de centenas de milhões de pessoas ao redor do mundo continuarem abaixo da linha de pobreza, outras centenas de milhões progrediram, sob muitos pontos de vista, no último século.

Este progresso tem um custo ambiental, porque à medida que o consumo aumenta é preciso ampliar a área dedicada à agricultura, construir novas indústrias, estradas e outros meios de comunicação. É impossível ter isso tudo sem interferir no meio ambiente em que vivemos.

O melhor exemplo disso é a própria construção de cidades, que caracteriza a evolução da humanidade há mais de 10 mil anos. Cidades não planejadas – que são a grande maioria – acabam por destruir toda a vegetação existente anteriormente, dando lugar a casas e ruas e poluindo os cursos d’água, que são usados como esgoto. Medidas corretivas podem atenuar estes problemas, mas é evidente que a própria existência de grandes cidades tem um grande impacto ambiental, que às vezes se agrava de tal forma que põe em risco a própria saúde e o conforto dos que nelas vivem.

Há, contudo, ativistas ambientais que sonham com um passado bucólico – que realmente nunca existiu – e se opõem freqüentemente a estas obras, usando argumentos de natureza fundamentalista, como os de manter a natureza intocada. Em alguns casos os custos de fazê-lo são astronômicos e tornam inviáveis soluções mais pragmáticas.

O denuncismo sistemático e a paixão com que esses ativistas abordam algumas destas atividades caracterizaram o movimento ambientalista na década de 1970, sobretudo nos Estados Unidos, onde ele amadureceu ao longo dos anos e se tornou mais construtivo. O problema hoje, para eles, não é apenas denunciar, mas propor soluções.

Com algumas décadas de atraso, estamos passando pelo mesmo processo em São Paulo. Só para dar um exemplo, desde o início da década de 1990 o governo estadual se engajou em grandes obras destinadas a reduzir a poluição do Rio Tietê e do canal do Pinheiros, por meio da captação de esgotos e do aprofundamento da calha do Tietê, que também evita os alagamentos freqüentes das Marginais, que infernizavam a população na época das chuvas. A ação de alguns grupos mal informados, sem nenhuma argumentação técnica consistente – e provavelmente mal-intencionados -, atrasou o licenciamento ambiental dessas obras por mais de um ano. Um dos argumentos usados contra as obras era o de que o material retirado da calha do Tietê era tóxico. Se isso fosse verdade, todo o Planalto Paulista seria inabitável, porque os índices de alumínio, ferro e manganês encontrados no leito do rio são os mesmos das nascente do Tietê e de toda a Região Metropolitana.

O trecho sul do Rodoanel é outra grande obra que o governo do Estado está tentando iniciar há cinco anos e que foi finalmente aprovado pela Secretaria do Meio Ambiente, mas após inúmeras audiências públicas e acordos judiciais com o Ministério Público Estadual e o Federal. Não há a menor dúvida de que o projeto aprovado é melhor do que o apresentado inicialmente pela Desenvolvimento Rodoviário S. A. (Dersa), mas há poucas dúvidas de que o seu licenciamento poderia ter ocorrido em muito menos tempo, caso tivesse havido mais racionalidade na discussão das vantagens evidentes que o Rodoanel trará à população da cidade de São Paulo.

Só para dar um exemplo, tem sido argumentado que a ocupação desordenada da área de mananciais está destruindo os Reservatórios de Guarapiranga e Billings e que o trecho sul do Rodoanel vai agravar essa situação. É claro que a ocupação indevida da área dos mananciais é indesejável, mas, apesar disso, a Billings só perdeu 3,3% do seu volume nos últimos 18 anos e a Guarapiranga, 3,9%, no mesmo período, isso no pico da expansão urbana naquela área, que já diminuiu muito. No caso da região dos mananciais, onde vivem cerca de 1 milhão de pessoas, é irrealista retirá-las de lá e o que se impõe é a regularização do uso do solo, no que a Lei da Bacia do Guarapiranga, recentemente aprovada, vai ajudar.

É claro que a construção do Rodoanel vai ter impactos ambientais. Estes custos ambientais têm de ser comparados com os custos que estamos pagando por não fazer a obra, em termos de saúde da população, perda de horas de trabalho de milhões de pessoas e outras perdas devidas a congestionamentos. Além disso, tais impactos serão compensados, a um alto custo, pelos empreendedores, com a criação de novas áreas protegidas, parques e benefícios às populações indígenas afetadas.

As preocupações com o meio ambiente, que praticamente não existiam há 50 anos, fazem hoje parte integrante do processo de desenvolvimento e do que se entende por “progresso”. Países que não têm adotado esta estratégia estão pagando caro por não tê-lo feito no passado, porque corrigir a degradação ambiental custa sempre mais caro do que preveni-la. Este tipo de argumento foi expresso pelo próprio presidente do Banco Mundial, Paul Wolfowitz, em recente visita a São Paulo, quando declarou que a China vai pagar caro por não conseguir compatibilizar a proteção ao meio ambiente e seu rápido crescimento econômico.

Ao que tudo indica, o Estado de São Paulo está conseguindo.



José Goldemberg é secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo