Presídios geram negócios e empregos no interior de SP

Do Valor Econômico“Se mandarem um presídio para cá e precisar, eu assino para vir”, diz José Carlos dos Santos, agricultor. Santos faz parte do grupo de aposentados e agricultores que […]

qua, 07/12/2011 - 16h09 | Do Portal do Governo

Do Valor Econômico

“Se mandarem um presídio para cá e precisar, eu assino para vir”, diz José Carlos dos Santos, agricultor. Santos faz parte do grupo de aposentados e agricultores que jogam baralho em mesinhas de concreto instaladas numa calçada da rua principal de Pracinha, cidade paulista a 600 quilômetros da capital. Entretidos, não prestam atenção nas frutas, que, maduras, caem de uma das dezenas de mangueiras espalhadas pelas ruas da cidade. Carregadas, as árvores fornecem sombra providencial no calor acima de 30 graus, em um dia no fim de novembro.

Para Santos e para seu companheiro de baralho e de prosa, José Carlos, também de sobrenome Santos, igualmente lavrador, os presídios só trouxeram benefício para a cidade.

Presídios, sim, no plural. No município de Pracinha, há apenas uma penitenciária de regime fechado. Mas, num raio de 90 quilômetros, há outras dez unidades prisionais implantadas a partir de 1998, num total de nove cidades que integram a região conhecida como Nova Alta Paulista, extremo oeste do Estado, divisa com o Mato Grosso do Sul. A última, uma unidade prisional feminina, foi instalada em agosto, em Tupi Paulista.

Os lavradores com sobrenome Santos da pequena Pracinha, que se declaram favoráveis aos presídios, não são personagens insólitos. A reportagem visitou quatro das nove cidades da região onde existem unidades prisionais. Em todas elas encontrou pessoas com opinião semelhante.

Resultado de uma política de interiorização do governo do Estado de São Paulo, que visa retirar unidades prisionais das áreas metropolitanas, a instalação de presídios na região concentrou-se em cidades pequenas. Dos nove municípios que contam com essas prisões, sete têm menos de 20 mil habitantes.

Originadas da expansão da cafeicultura, essas cidades possuem economia baseada principalmente na agricultura. No núcleo urbano, a prefeitura é quase sempre o principal empregador. A instalação de presídios trouxe nova oportunidade de emprego e elevou a renda em circulação nas cidades. O estímulo à economia foi evidente para os moradores.

Pracinha é a menor entre as “cidades carcerárias”. Como a população entre grades é contabilizada no total de habitantes, o município deu um salto populacional entre os censos de 2000 e 2010, do IBGE. Em 2000, dois anos antes da instalação do presídio na cidade, Pracinha tinha 1.431 habitantes. No ano passado, o Censo registrou população de 2858 pessoas. Segundo dados da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, os detentos de Pracinha somam 1.166 homens, o que significa 40,8% da população total do município.

A aprovação em concurso para vaga de agente penitenciário em São Paulo garante remuneração inicial superior a R$ 2 mil, vencimento representativo numa cidade como Pracinha, onde metade da população que declara ter alguma renda ganha até um salário mínimo, segundo dados do Censo de 2010.

Os efeitos econômicos, porém, vão muito mais longe. Maria Aparecida da Silva dos Santos, dona de um restaurante na rua principal de Pracinha, onde mora há 30 anos, e se lembra de dois eventos importantes para a cidade. O primeiro foi quando Pracinha, em 1993, deixou de ser distrito de Lucélia e passou a ser um município autônomo. O Orçamento próprio fez diferença, trazendo ruas asfaltadas e escola para o local.

A chegada dos presídios na região foi o segundo. Com a prisão, veio a migração de agentes penitenciários e também das mulheres que visitam namorados, maridos e filhos encarcerados.

A demanda gerada pelas “visitas” rende a Cida, como se apresenta a dona do restaurante, um faturamento adicional de R$ 700 por semana, sendo R$ 250 de lucro líquido. “A gente é fraco, mas também tem gasto.” Enrolando coxinhas com massa de mandioca – as preferidas dos fregueses -, ela explica que serão vendidas para as mulheres dos detentos, que chegam à cidade nas sextas-feiras para a visita liberada no fim de semana.

Além dos lanches, Cida prepara pratos para serem levados pelas mulheres aos presos. A lasanha pronta e embalada para entrar no presídio custa R$ 45. A macarronada com molho de carne moída, R$ 25. Com molho de frango, R$ 30. A regra dela é vender à vista.

“No começo, perdi muito dinheiro vendendo para receber depois.” Mas toda regra tem exceção. Hoje, ela vende fiado para quem conhece. “Tem uma senhora com filho preso que adora lasanha. Ela foi comprando, junto com outras coisas. Na semana passada, ela depositou direitinho R$ 235.”

Cida tem um público diversificado. “Aqui servimos ao gosto de Deus”, diz. Ela faz comida não só para os presidiários, mas também para advogados e promotores que acabam aparecendo na cidade. O prato feito servido no bar e restaurante – com arroz, feijão, uma mistura, farofa e salada – é “muito gostoso”, diz Cida, e custa R$ 6. “Outro dia, os agentes penitenciários disseram que queriam um churrasco. Organizei um nos fundinhos, pra eles, então.”

Ao redefinir como destino de migração regiões que tradicionalmente expulsavam a população local, em razão da falta de oportunidades, os presídios provocaram um impacto demográfico, econômico e social na região. Essa é uma das conclusões de pesquisa de autoria de Flavia Rodrigues Prates Cescon e Rosana Baeninger, pesquisadoras do Núcleo de Estudos Populacionais (Nepo), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A pesquisa estudou as cidades carcerárias da região de Nova Alta Paulista.

Muitos dos presos são de regiões relativamente distantes, principalmente da Grande São Paulo. Os detentos não possuem vínculos nas cidades e por isso recebem visitas de familiares e pessoas próximas que viajam da capital para interior e passam o fim de semana em lugares que antes desconheciam. O fluxo constante de visitantes transformou os municípios aos poucos.

Raimundo Francisco Bezerra abriu o primeiro posto de gasolina da cidade e também construiu uma pousada especialmente para atender a essas mulheres migrantes. Ele oferece hospedagem a R$ 20 por pernoite com café da manhã. Pagando taxas extras, elas podem usar a cozinha e também um serviço de van para ir à penitenciária. Há até acomodações para pessoas que querem mais privacidade. A pousada tem sete quitinetes, que são alugadas por mês por R$ 250, para duas pessoas.

São 15 quartos com capacidade para 64 pessoas. A pousada já chegou a ficar cheia. Hoje, recebe de 30 a 40 pessoas no fim de semana. A redução de frequência aconteceu, diz, em razão do aumento da concorrência. Atualmente, conta, há outras opções de hospedagem em cidades próximas. Surgiram novos serviços que atendem às mulheres visitantes. “Para nós, um presídio só é pouco”, diz Bezerra.

Com capacidade para abrigar 768 detentos, a penitenciária de Pracinha tem população carcerária de 1.126 homens. “São muitos presos, mas são poucos os que recebem visitas”, lamenta Bezerra. Sua mulher, Shirlei Maria, concorda. “O presídio foi muito bom”, diz. Ela lembra que o efeito benéfico aconteceu também em Lucélia, município vizinho, que também conta com uma penitenciária, que opera em regime fechado e semiaberto. “Em Lucélia, havia dois ou três táxis. Agora são mais de dez.”

Ex-caminhoneiro, Elísio Manoel de Oliveira é um desses novos taxistas. Depois de 40 anos de estrada, resolveu se fixar em Lucélia, cidade a 75 quilômetros de Herculândia, município onde nasceu. Virou taxista há dois anos e meio para complementar a aposentadoria, de olho no aumento de demanda gerado pelas penitenciárias da região.

De segunda a sexta, diz, tira perto de R$ 80 ao dia com corridas quase sempre dentro da cidade. No sábado e no domingo não teria serviço, se não fosse o presídio. No fim de semana, faz de seis a oito corridas. Mas são corridas boas, conta, para rodar cerca de 25 quilômetros, levando as mulheres migrantes para a prisão de Pracinha ou de Lucélia.

Cada corrida, diz, rende em média R$ 25 e faz valer o trabalho aos sábados e domingos. “Para mim, os presídios não trouxeram nenhum problema. Foi bom para o comércio da região e Lucélia ainda é uma cidade tranquila.”