Prêmio SP quer autores “pop stars”

Folha de S. Paulo

qua, 05/08/2009 - 7h59 | Do Portal do Governo

Ao oferecer valor “escandaloso”, segundo Sayad, de R$ 200 mil para cada vencedor, premiação ajuda a movimentar circuito 

Reviravolta seguiu-se à entrada em cena, em 2003, do Portugal Telecom, que instituiu valores elevados e votação mais transparente 

Se para um autor veterano é um valor estratosférico, para um estreante é irreal. O cearense Ronaldo Correia de Brito e o gaúcho Altair Martins, os dois vencedores do Prêmio São Paulo de Literatura, anunciado anteontem no Museu da Língua Portuguesa, vão embolsar R$ 200 mil cada um.

A cifra elevada foi estipulada propositalmente. É um valor “escandaloso”, “para chamar a atenção”, afirmou o secretário estadual da Cultura, João Sayad, durante a cerimônia. Em vídeo que antecipou o anúncio, Sayad declarou que a intenção da distinção é “transformar um autor em um pop star”. 

A versão 2009 do Prêmio São Paulo (em 2008 foram premiados o catarinense Cristovão Tezza e a estreante luso-carioca Tatiana Salem Levy) registrou um aumento no número de inscritos (217, contra 146) e mostrou em sua segunda edição que tende a ocupar lugar central no circuito de premiações literárias, que sofreu uma reviravolta nos últimos anos.

Boa parte dessa transformação tem a ver com a entrada em cena do Prêmio Portugal Telecom, em 2003. Além de instituir valores elevados (atualmente de R$ 100 mil), um esquema de votação pulverizado por dezenas de votantes procurou evitar vícios como simpatias pessoais, grupos de pressão e valorização regional, além da falta de transparência.

Isso naturalmente levou outras premiações, inclusive a mais tradicional delas, o Jabuti (“apenas” R$ 30 mil para livro do ano), a tornarem mais transparente seus processos de escolha. Todos saíram ganhando.

Se esses prêmios têm prestígio crescente para a crítica e para o mercado editorial, resta avaliar o efeito deles para a “promoção da leitura” (o objetivo anunciado por Sayad) ou para a formação dos escritores.

“Como descoberta de novos escritores, raramente dá certo; como propaganda e celebrização da personalidade, funciona”, diz Alcir Pécora, professor de teoria literária na Unicamp. “Chama atenção, produz matérias, mas não se traduz em fomento. Alimenta a produção mediana e não produz um salto para a grande literatura”, diz.

Segundo os críticos, a profusão de prêmios e a celebrização dos autores estaria transferindo o “juízo crítico” para o circuito de festivais.

No Brasil, em termos de valores, chega perto também o Zaffari & Bourbon (R$ 100 mil), da Jornada de Passo Fundo.

Mas prêmios internacionais de língua portuguesa agraciam autores com mais do que isso. É o caso do Leya, criado em 2008 pelo grupo editorial português de mesmo nome (que premia o melhor romance inédito escrito em português) e do Camões (que considera o conjunto da obra). Cada um deles oferece 100 mil (cerca de R$ 264 mil).

Vencedor rejeita o rótulo de regionalista

O cearense Ronaldo Correia de Brito, 58, ainda está “digerindo” o prêmio de R$ 200 mil anunciado anteontem. Ele venceu com o romance “Galileia” (Alfaguara). Radicado em Recife, é dramaturgo e autor das coletâneas de contos “Livro dos Homens”, “Faca” (ambas pela Cosac Naify) e “As Noites e os Dias”.

“Galileia”, que ganhará uma versão francesa pela editora Liana Levi, narra a viagem de três primos ao sertão do Ceará, onde comparecem para o aniversário do avô, patriarca da família.

O escritor rejeita o rótulo de regionalista. “O que faço não tem nada a ver com o manifesto regionalista, com os planos e pressupostos da época”, disse. Ao contrário, afirma, sua intenção foi “desmontar os cânones do romance regionalista”. Para ele, “os personagens desmontam o próprio papel do homem nessa sociedade patriarcal. São homens fragilizados em um mundo apodrecido, esfacelado”.

Para o autor, “o Nordeste contemporâneo é um mundo globalizado, é uma periferia da cidade. O sertão é São Paulo”, diz.

Para Correia de Brito, é como se seu livro mostrasse a diáspora dos habitantes da região e o choque deles quando voltam a confrontar os valores estabelecidos, quando reveem suas origens pelo registro modernista. “É um romance de muito risco, sabia que podia ser crucificado no final. É como se fosse o fim de uma trilogia que incluísse meus livros de contos”.

O escritor divide a literatura com a medicina. Trabalha no Hospital Otávio de Freitas, em Recife, como clínico de pacientes de traumatologia. Em 2007, foi escritor residente da Universidade da Califórnia, em Berkeley.

Já o estreante Altair Martins, 34, ganhou o Prêmio São Paulo com seu primeiro romance “A Parede no Escuro”. Ele já havia lançado os livros de contos “Como se Moesse Ferro” (99), “Dentro do Olho Dentro” (2001) e “Se Choverem Pássaros” (2002), finalista do Jabuti em 2003.

Ele dá aulas de literatura em Porto Alegre. Seu livro, elaborado ao longo de sete anos, foi concluído em 2006 como mestrado na UFRGS e entrelaça as histórias de duas famílias que se veem sem a figura paterna.