Pinacoteca: Novas luzes sobre Almeida Jr.

Folha de São Paulo - Segunda-feira, dia 22 de janeiro de 2007

seg, 22/01/2007 - 11h13 | Do Portal do Governo

Folha de São Paulo

Famoso por suas cenas caipiras, pintor ganha mostra na Pinacoteca com 120 trabalhos que revelam a variedade de sua obra

FABIO CYPRIANO

DA REPORTAGEM LOCAL

Na Exposição Universal de 1899, em Paris, para a qual foi construída a Torre Eiffel, uma obra bem menos impactante criou polêmica muito distante dali. “Caipiras Negaceando”, pintura de Almeida Júnior, exposta no pavilhão brasileiro, foi comprada, por sete contos, pela Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro, provocando a revolta da elite paulista.

“Essa obra, feita por iniciativa do próprio Almeida Júnior, é a que dá início aos retratos de caipiras que ele fez. Os paulistanos se revoltaram com a compra, pois queriam que São Paulo fosse a capital cultural do Brasil e perderam a oportunidade de adquirir uma obra significativa de um paulista”, conta Maria Cecília de França Lourenço, curadora de “Almeida Júnior – Um Criador de Imaginários”, mostra que é inaugurada no próximo dia 25 na Pinacoteca do Estado. A exposição conta com 120 obras do artista, entre as 300 já catalogadas.

“Caipiras Negaceando” é também o início de uma imagem recorrente que a curadora pretende desmontar na exposição -a idéia de que Almeida Júnior fosse um pintor do ambiente caipira paulista, o que já não seria pouco, levando-se em conta que sua produção concentra-se no século 19, quando a elite costuma ser o tema da maior parte das pinturas.

Nascido em Itu, em 1850, Almeida Júnior estuda pintura e desenho na Academia Nacional de Belas Artes, no Rio, entre 1869 e 1874, retornando depois à sua terra natal. Lá, durante uma visita ao interior de d. Pedro 2º, recebe uma bolsa de estudos do próprio imperador e vive na Europa entre 1876 e 1882. “Ele é um artista sintonizado com seu tempo. Depois de viver em Paris, vai para Milão, onde estuda visualidade, e, quando retorna ao Brasil, decide viver em São Paulo, onde poderia ganhar melhor como pintor”, conta Lourenço.

A primeira obra que se vê na mostra, a reprodução de “Aurora”, pintura do teto da casa da então mecenas dona Veridiana, de 1884, já aponta para a diversidade temática que a curadora pretende imprimir à obra de Almeida Júnior (incluindo suas obras sacras, como “Cristo Crucificado”). “Em “Aurora”, nós vemos crianças, mulheres mais liberadas, músicos e uma visão científica da natureza”, afirma a curadora.

As crianças em “Aurora” prenunciam a temática do primeiro módulo da mostra, “Tempo Humano”, na qual jovens e idosos estão retratados em pinturas como sinal da passagem do tempo. “Gostaria que as pessoas esquecessem que são obras do século 19 e olhassem para sua própria visualidade. Ele vai tratar as cores como os modernos, sobrepondo, por exemplo, branco sobre branco em alguns trabalhos desse conjunto”, avalia Lourenço.

O segundo módulo, “Natureza e Cotidiano”, apresenta paisagens. “A graça é ver o que não foi visto dele. Todo mundo acha que só Georg Grimm [1846-1887] foi um grande paisagista, mas Almeida também foi.”

Já o terceiro módulo, “Trabalhos em Contraste”, opõe as obras do artista que abordam a cidade de São Paulo, com sua modernidade nascente, e a vida caipira do interior, fazendo com que a parte mais reconhecida da obra de Almeida Júnior apareça apenas no final da mostra. A curadoria, que conta também com Ana Paula Nascimento, decompõe algumas obras, entre elas “Caipiras Negaceando”, apresentando a tela e ampliando partes dela.

Finalmente, a mostra é encerrada com o módulo “Espaço para a Vida Moderna”, onde se destaca a presença feminina nas pinturas e a forma como são elaboradas. E o acervo da Pinacoteca, no segundo andar, foi também modificado para conter parte desse módulo, incluindo pinturas de artistas contemporâneos.

“Até 1838, para se ler um livro, era necessário pedir autorização. As mulheres nem sequer podiam ler. Nas pinturas de Almeida Júnior, sempre há mulheres lendo, de cabelo curto, representando estrangeiras ou prostitutas. Isso mostra que ele se cercava de mulheres bem mais liberais”, diz Lourenço. O artista podia estar próximo de mulheres libertárias, mas de homens nem tanto, já que morreu cedo, aos 49 anos, vítima de um crime passional.