Pinacoteca: As obras poéticas de Cildo Meireles

O Estado de São Paulo - Segunda-feira, dia 16 de outubro de 2006

seg, 16/10/2006 - 12h19 | Do Portal do Governo

Exposição aberta na Estação Pinacoteca discute a relação dos trabalhos do artista com o espaço e a sonoridade

Maria Hirszman

Com apenas quatro trabalhos, ocupando todo um andar da Estação Pinacoteca, Cildo Meireles mostra mais uma vez como construir uma obra ao mesmo tempo sintética e exuberante. A mostra, inaugurada semana passada, é uma nova e enxuta versão de exposição preparada pelo artista para o Museu do Vale do Rio Doce, em Vila Velha (ES), que partia de uma reflexão proposta pelo curador Moacir dos Anjos sobre a presença na obra do artista da relação entre espaço e sonoridade.

Duas das peças trazidas à São Paulo são inéditas por aqui. A primeira delas é um ensaio poético, visual e sonoro sobre a água. Marulho, que ocupa a grande sala à direita, é composta por centenas de imagens aéreas de água. Na verdade, trata-se de uma composição a partir de oito modelos básicos de diferentes tamanhos e encadernados como uma paleta de azuis. As páginas são dispostas de maneira ordenada e ritmada, ampliando a sugestão de movimento contida na imagem das ondas. Esse fascinante mar de mentirinha pode ser visto a partir de um píer de madeira, ao som repetitivo de pessoas falando a palavra água em oitenta e poucas línguas. Essa é a terceira versão da obra, mostrada anteriormente na África e em Brasília.

O outro trabalho de impacto é Babel (mesmo título adotado para a mostra). Projeto que, como muitas das obras de Cildo, tem sua origem em memórias remotas. Ele conta como costumava ficar fascinado com as luzes do rádio no escuro. A obra é uma grande cacofonia. Mais de 900 aparelhos de rádio, de modelos e idades distintas, formando uma enorme torre (com os mesmos 5 metros de altura do que o pé direito do prédio). Todos eles ligados e em estações diferentes. A ambição era não repetir nenhuma delas, mas por enquanto isso é impossível. Babel teve sua primeira versão na Finlândia, onde uma equipe coletou rádios por oito meses. Aqui no país ele descobriu uma série de pessoas aficionadas pelo rádio, projetos de criação de museus, etc.

No escuro, iluminada por uma luz azulada (‘como a do Leite de Magnésia Phillips quando a embalagem era de vidro’, define o artista), os detalhes dos aparelhos se diluem num conjunto minimamente visível. ‘A idéia é que você sinta com o volume’, diz ele, acrescentando que pretende tornar perceptível as possibilidades do rádio de estabelecer um espaço muito rico e muito amplo.

Entre essas duas peças imponentes estão três projetos apresentados num salão do final dos anos 60 e que não foram mostrados em Vitória, Estudo para o Espaço, Estudo para o Tempo e Estudo para o Tempo e para o Espaço e um trabalho já clássico, Cruzeiro do Sul, de 1969. Um pequeno cubo, com 9 mm de aresta, feito de pinheiro e carvalho, madeiras cultuadas pelos índios brasileiros por provocarem, quando atritadas, uma das manifestações da aparência do deus Tupã: o fogo. A criação de Cildo reúne numa mesma peça a força do tema indígena e o estalo criativo derivado dos repertórios conceitual e minimalista. Há ainda uma questão essencial nesse trabalho: ao conceber esse pequeno cubo do menor tamanho possível (seria difícil executá-la se fosse menor) para ocupar o maior espaço expositivo possível – no caso da Estação Pinacoteca a grande e imponente sala de colunas do quarto andar -, a força da peça é pensada na proporção inversa de seu tamanho. O espaço, tanto quanto a peça, tem importância central no projeto.

Uma mostra enxuta, mas de impacto, que deixa claro porque sua ausência na 27ª Bienal de São tem sido tão notada. Sua atitude em protesto contra a permanência de Edemar Cid Ferreira, acusado de gestão fraudulenta e formação de quadrilha no Banco Santos, no Conselho da instituição é um feito raro em nossos dias, com uma hegemonia crescente do poderio econômico sobre o circuito das artes. O fato é que depois do protesto o conselho voltou atrás e destituiu o banqueiro.

Além da exposição na Estação Pinacoteca, Cildo também está mostrando novas e grandiosas versões de dois trabalhos importantes em sua trajetória, no Caci (Centro de Arte Contemporânea de Inhotim), que abriga em Brumadinho, a 60 quilômetros de Belo Horizonte um impressionante acervo da produção artística nacional e internacional mais recente. No último dia 7 foram inauguradas lá montagens permanentes das instalações Desvio para o Vermelho e Através, esta última ainda inédita no Brasil.

(SERVIÇO)Cildo Meireles. Estação Pinacoteca. Largo Gal. Osório, 66, Luz, 3337-0185. 3.ª a dom., 10 às 18 h. R$ 4 (sáb. grátis). Até 23/11