Pesquisa brasileira desvenda como bactéria ‘E. coli’ engana organismo

O Estado de S.Paulo - Segunda-feira, 29 de outubro de 2007

seg, 29/10/2007 - 11h12 | Do Portal do Governo

O Estado de S.Paulo

Médicos brasileiros ligados ao Hospital das Clínicas (HC) de São Paulo desvendaram o mecanismo de infecção por uma bactéria comumente encontrada no corpo humano, a Escherichia coli.

Utilizando camundongos geneticamente modificados de modo a não ter uma estrutura fundamental para a ação dos anticorpos, eles comprovaram que os animais – supostamente mais vulneráveis ao ataque da E. coli – conseguiram sobreviver melhor à sepse (infecção generalizada) causada pela bactéria.

O conhecimento do mecanismo de ação da E. coli pode levar, no futuro, ao desenvolvimento de medicamentos para conter a infecção causada por ela. A conclusão surpreendeu até mesmo os autores do estudo, publicado na última semana na revista Nature Medicine.

A Escherichia coli consegue “enganar” o organismo ligando-se diretamente às células de defesa do corpo humano, impedindo que os anticorpos a capturem. Assim, a bactéria consegue reproduzir-se no organismo, o que causa a infecção generalizada.

A E. coli é uma das bactérias presentes no intestino. Em contato com a corrente sanguínea, porém, pode causar problemas.

“As infecções por essa bactéria são extremamente freqüentes e um problema de saúde inquestionável”, diz o médico Fabiano Pinheiro da Silva, autor da pesquisa que se transformou em seu trabalho de doutorado, apresentado na Universidade de São Paulo (USP) e Universidade de Paris 7, na França.

Quando o organismo detecta um antígeno (vírus ou bactéria, por exemplo), os anticorpos presentes no sangue e fluidos corporais capturam o invasor e ligam-se às células de defesa, ativando-as para o combate e a expulsão do corpo estranho. A chave para esse processo é uma proteína presente na superfície das células de defesa que faz a ligação com os anticorpos, por isso chamada de receptora.

Os animais usados na pesquisa não produzem os chamados receptores de Imunoglobulina G (IgG), do tipo 3, também chamados de receptores de anticorpos CD16 . A imunoglobulina é o anticorpo responsável no organismo pela captura da E. coli.

Como os camundongos geneticamente modificados não produzem esse receptor, era de se esperar que não conseguissem combater a bactéria. Mas não foi o que aconteceu.

“Acreditava que esses animais seriam relativamente imunodeficientes e mais suscetíveis à sepse”, diz Murilo Chiamolera, um dos orientadores do trabalho.“Os resultados surpreenderam muito, pois os animais eram considerados imunodeficientes e não deveriam sobreviver à infecção”, diz Silva.

DEFESA

A pesquisa começou há 5 anos no HC de São Paulo. Contou com o apoio de cientistas holandeses e franceses. Foi apresentada ao mesmo tempo no Brasil e na França graças a um convênio da USP com a Universidade de Paris 7. Os cientistas descobriram uma ação de proteção inesperada da E. coli contra as células de defesa.

“A bactéria pode unir-se a esses receptores sem anticorpos, inibindo a ação de proteção do organismo”, explica Renato Costa Monteiro Filho, pesquisador do Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica (Inserm), na França, e coordenador do trabalho. Testes com um inibidor de expressão dos receptores em células de camundongos normais mostraram melhores efeitos de defesa.

Os pesquisadores trabalham agora no desenvolvimento de uma molécula que iniba o aparecimento desses receptores, o que conseqüentemente fará com que a bactéria perca sua capacidade de se ligar às células de defesa e “enganar” o organismo.

“As perspectivas são enormes pois a molécula e o receptor a ela associado (CD16) são muito semelhantes em camundongos e humanos, o que gera alto potencial terapêutico caso seja possível desenvolver medicamentos que intervenham sobre essas moléculas”, diz Silva.

O trabalho no Inserm segue nessa direção. “Já temos uma molécula com bons resultados que deverá ser testada em primatas e, mais tarde, depois de passar por estudos de toxicologia, aplicada ao tratamento de infecções por E. coli no homem”, afirma Monteiro.