Pão nosso de cada dia e etanol de toda vida

O Estado de S.Paulo - Quarta-feira, 21 de maio de 2008

qua, 21/05/2008 - 16h05 | Do Portal do Governo

João Sampaio

O Estado de S.Paulo

Embora o presidente Luiz Inácio Lula da Silva faça declarações pontuais quanto à incorreção de se imputar culpa à bioenergia pelo aumento do preço dos alimentos, o governo brasileiro precisa adotar providências eficazes para disseminar o conceito. Isso exige esforços nas áreas da comunicação e da diplomacia, e a hora é agora, aproveitando-se as oportunidades abertas pela reunião realizada em Berna, na Suíça, na qual diretores de agências das Nações Unidas, do Banco Mundial (Bird) e da Organização Mundial do Comércio (OMC) avançaram na discussão do problema e o abordaram com mais lucidez do que se observava anteriormente.

O aspecto positivo do encontro foi o reconhecimento de que os biocombustíveis, em especial o etanol, não são os únicos fatores responsáveis pela redução da oferta de alimentos. Apontaram-se causas muito mais caracterizadas e graves, como a falta de investimentos no setor agrícola, os subsídios da União Européia e dos Estados Unidos, que distorcem o comércio, as más condições climatológicas e a degradação ambiental. Também foi muito pertinente a criação, pela ONU e pelo Bird, de força-tarefa para combater a alta sem precedentes dos preços de produtos alimentares.

Cabe à comunidade internacional atender ao chamado, contribuindo para a rápida adoção das medidas, dentre elas a doação de US$ 2,5 bilhões, destinados ao enfrentamento da crise. Os recursos, gerenciados por fundo específico do Bird, anunciado em Berna por seu diretor, Robert Zoellick, serão aplicados no financiamento da agricultura dos países pobres. Outra proposta do encontro que todas as nações deveriam acatar é o fim das restrições às exportações de alimentos, pois esses limites têm provocado majorações nos preços. Caso que demonstra isso claramente ocorre com os pães no Brasil, por causa da paralisação da venda externa de trigo pelos argentinos.

As medidas anunciadas na Suíça respondem à preocupação quanto à quebra de safras e estoques baixos, externada por Jacques Diouf, diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). O dirigente vem, há tempos, alertando que a forte expansão econômica em países em desenvolvimento e a crescente demanda por energia são outros fatores que impulsionam os preços dos alimentos, cujos estoques globais estão no nível mais baixo desde 1980. Nesse contexto, é assustador o dado de que as reservas são suficientes para atender a uma demanda de apenas 8 a 12 semanas.

A situação é mesmo preocupante, mas não se justifica que se virem todas as baterias para o programa brasileiro do etanol, que tem sido um dos alvos prediletos de algumas organizações internacionais. Nessa discussão, deve-se salientar que, independentemente das declarações de seu diretor, o acervo de informações técnicas da FAO contém dado emblemático e conclusivo: “O Brasil é o país com a maior área agricultável ainda disponível.”

Esse reconhecimento tácito do principal organismo multilateral da área da agricultura e alimentação atesta a capacidade brasileira de conciliar a produção de alimentos com os biocombustíveis. Além disso, aumenta a responsabilidade do País de ser mais proativo neste momento. Afinal, o reconhecido “celeiro do mundo” não pode ficar fora dessa discussão. É premente mostrar que a agropecuária brasileira cobre 235,1 milhões de hectares, dos quais a cana-de-açúcar ocupa somente 6 milhões de hectares, ou 2,5%. Cinqüenta por cento de sua cultura se destina à produção de açúcar e a outra metade, à produção de etanol. Este, portanto, utiliza apenas 1,25% de toda a área, para uma produção atual de 20 bilhões de litros por ano.

Esses são os números que o Brasil precisa tornar conhecidos e reconhecidos na ONU, na FAO, no Bird, na OMC, nas instâncias de decisão e opinião pública internacional. Nosso governo não pode aceitar de maneira passiva os ataques ao etanol. Seu preço mais baixo e menor grau de poluição configuram diferencial competitivo de alto valor agregado, numa economia global que paga US$ 120 por barril de petróleo e num ecossistema planetário saturado de monóxido de carbono. Ademais, combustível mais barato também tem impacto no preço dos alimentos, inclusive no transporte da safra recorde de grãos que colheremos este ano!

*João Sampaio, economista, é secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo