Osesp se despede de São Paulo com graça e precisão

O Estado de S. Paulo

qua, 07/10/2009 - 8h03 | Do Portal do Governo

Antes de iniciar viagem pelos EUA, grupo mostrou Villa-Lobos com expressividade 

Já que é do programa da excursão que a Osesp faz esta semana aos EUA que estamos falando, é uma boa ideia iniciá-la com a colorida abertura do Garatuja, de Alberto Nepomuceno. Porque, no bem-humorado retrato que ela faz do personagem título – que ganhou esse nome devido às caricaturas de políticos que fazia nas paredes -, há várias oportunidades para que os vários naipes da orquestra se exibam. E isso fornece um bom mostruário das possibilidades da Osesp – de que o regente convidado, o americano Abdullah Kazem, tirou bom proveito no concerto da última quinta, quando a orquestra despediu-se do público paulistano. 

Precisão de escrita, somada à capacidade de incorporar de modo pessoal as mais diversas influências e animada por sentimento religioso muito intenso, que se manifesta de forma dramática, fazem do escocês James MacMillan um dos mais expressivos compositores em atividade. Isso está presente no Concerto para Percussão Veni, Veni, Emmanuel, que ele escreveu para Dame Evelyn Glennie, e do qual ela ofereceu, na quinta, uma leitura fascinante. 

Do Intróito: Advento – em que surgem as heart beats (batidas do coração) que serão um tema recorrente na peça, significando a presença da Divindade dentro de nós – até a mágica coda, em que a chegada da Páscoa é anunciada por um triunfante carrilhão nos sinos tubulares, Glennie manteve elevada a temperatura dramática da peça. Uma execução que atingiu seu clímax na belíssima cadência para o xilofone, envolto num iridescente véu formado pelas cordas em pianíssimo. 

As cordas da Osesp desenrolaram de forma opulenta o tapete de sonoridades do Prelúdio das Bachianas Brasileiras nº 4, de Villa-Lobos. E Kazem passou pelo teste de reger, de maneira enérgica e expressiva, o nosso grande compositor nacional.

Terminada em 1919, a “pantomima grotesca” O Mandarim Maravilhoso surpreende, ainda hoje, não tanto pela violência expressionista de seu entrecho de film noir, mas pelas ousadias da escrita inovadora de Béla Bartók. Kazem fez um trabalho intenso, desde a sugestão dos ruídos da cidade, com que a suíte se inicia, e o fugato febril das cordas, com que ela descreve os três bandidos em busca de suas vítimas. 

O lírico tema na clarineta, ampliado pelos violoncelos, evocando a jovem prostituta que serve de chamariz; a dança cômica do oboé e, depois, dos dois violinos secundados pelas madeiras, que representam os dois primeiros fregueses, sem dinheiro; o glissando dos trompetes e trombones que assinala a entrada do rico mandarim – todos esses detalhes foram plasmados com bastante cuidado. Kazem fez a peça crescer com segurança, até o paroxismo da dança de sedução da jovem, com seus choques de ritmos, timbres e harmonias. A impressão deixada pelo concerto é que a Osesp, acompanhada por uma solista do porte de Dame Evelyn e um maestro competente, tem condições de fazer, nos EUA, nova apresentação muito satisfatória.