Osesp ressalta modernismo de Strauss

Folha de S.Paulo - Segunda-feira, 01 de setembro de 2008

seg, 01/09/2008 - 9h07 | Do Portal do Governo

Folha de S.Paulo

Santa ignorância: faltavam só dois minutos para a cabeça de João Batista aparecer numa bandeja de prata quando duas moças decidiram que já tinham ouvido o suficiente e deixaram a sala. Perderam a ascensão do globo de luz, que subiu hidromecanicamente no elevador do piano, fazendo as vezes de cabeça degolada, para confrontar Salomé. Mal tinham saído os saltos-7, e a orquestra se encaminhava para os cromatismos mais extremos, elétrica e elasticamente dramatizados nesta versão de concerto da ópera, que estreou sexta na Sala São Paulo, regida por John Neschling. “Salomé” estreou em Dresden, em 1905. Mas a produção que entraria mesmo para os anais da música moderna foi a de maio de 1906, em Graz (Áustria). Foi para lá que convergiu um contingente impressionante de grandes nomes, querendo ouvir a novidade de Richard Strauss (1864-1949). Estavam na platéia Mahler, Arnold Schoenberg, Berg e Puccini. E também o adolescente Hitler, que anos mais tarde nomearia o compositor para um alto posto do governo nazista. Na versão da Osesp, com um bem pensado mínimo de teatro, a grande invenção cênica é a cisterna: o poço do piano, de onde ribombam os sermões do impressionante barítono norte-americano Alan Titus. É de lá que ele surge, depois, numa bata branca e descalço, para resistir impassível ao assédio da enteada de Herodes. Com seu vestido vermelho decotado, também descalça, sua compatriota Susan B. Anthony faz uma Salomé hollywoodiana: loira platinada, orgulhosamente frívola, devotada ao exercício sensual de si mesma. Não chega a convencer como adolescente (velho problema da ópera), mas canta com segurança e estilo um dos papéis mais difíceis do repertório. Herodes (Thomas Moser, da Ópera de Viena) e Heródias (a alemã Gabriele Schnaut) formam um casal vocalmente dramático e afetivamente insuportável. A rubrica poderia ser: “Casal de milionários: dinheiro demais, poder demais; e nada mais”. Nada mais, exceto as vozes, que se prestam muito bem às perversidades da partitura. Vieram de smoking e longo; e Herodes, sim, convencia como padrasto lascivo. Foi pena o erro da luz no último momento, que revelou Salomé morta correndo para a coxia e um contra-regra recolhendo os tronos. Depois de tudo correr bem, depois de a orquestra tocar com tanta inteligência uma partitura dessas, não deixava de ser irônico o pequeno grande tropeço humano. Que o repertório da primeira metade do século 20 é um ponto forte de Neschling já se sabe. E a combinação de temas aqui -moralidade, sexualidade, autoridade, judaísmo, modernidade- só serve de estímulo a mais, para uma produção que não chega a ser inesquecível, mas não é de se esquecer.

SALOMÉ

Quando: hoje, às 21h

Onde: Sala SP (pça. Júlio Prestes, s/nº, tel. 0/xx/11/3223-3966)

Classificação indicativa: não recomendado para menores de 8 anos

Quanto: de R$ 28 a R$ 98

Avaliação: ótimo