Osesp: Múltiplos coloridos de Gilberto Mendes

O Estado de São Paulo - Terça-feira, dia 1º de agosto de 2006

ter, 01/08/2006 - 10h59 | Do Portal do Governo

Nova peça do compositor, estreada na semana passada pela Osesp, o mostra à vontade ao escrever para grande orquestra

A floresta evocada em Alegres Trópicos: Um Baile na Mata Atlântica – a nova peça de Gilberto Mendes, que a Osesp estreou na quinta-feira – parece, à primeira vista, tonal em sua superfície serena e eufônica. Mas é, na realidade, sofisticadamente politonal, incluindo até mesmo alguns efeitos dodecafônicos em sua trama. Esse miniaturista – como o atestam as peças para coro, piano, ou as canções, recentemente lançadas em um belo disco – trabalha aqui com grandes forças: coro, orquestra grande; e mostra-se bom orquestrador, nos múltiplos coloridos que extrai dos instrumentos. Ou em texturas que às vezes remetem ao jazz ou às grandes orquestras de dança americanas.

Um Baile traz a costumeira marca bem-humorada de Gilberto Mendes. O texto entremeia o convite à dança, em várias línguas, aos nomes científicos dos animais da Mata Atlântica, numa seqüência que visa a explorar mais as sonoridades das palavras em latim do que o seu significado. É, porém, uma peça dispersiva, de caráter rapsódico, com um tom fragmentário que faz determinadas passagens muito interessantes, mas isoladas, ficarem boiando num tecido musical indistinto, de qualidade desigual, que parece captar, de forma espasmódica, a atenção do ouvinte. Não resta dúvida, em todo caso, que ela tem um nível de acabamento técnico muito refinado, realçado pela execução cuidadosa de John Neschling à frente do coro e orquestra da Osesp, mesmo o nível de inspiração não sendo o mesmo de uma ponta à outra.

Originalmente concebido para oboé e, depois, transcrito para flauta por Ferdinand de Jean, o Concerto nº 2 em Ré Maior KV 314 é a obra elegantemente rococó de um músico de 21 anos que, recém-libertado das restrições de Salzburgo, está recebendo suas primeiras encomendas importantes como músico independente. Ao lado de uma orquestra reduzida, sem maestro, que lhe deu apoio muito seguro, Jessica Dalsant fez uma interpretação persuasiva dessa partitura – especialmente no Allegro final, em que encontramos material que Mozart reutilizará, mais tarde, na ópera O Rapto do Serralho.

A obra de Silvestre Revueltas está, para a música mexicana, assim como os murais de Rivera e Orozco para a pintura: grandes blocos sonoros, de colorido instrumental muito vivo e contrastante, exploram efeitos rítmicos variados, obtidos com um naipe de percussões diversificado; e isso é posto a serviço da evocação do passado do país. Assim é Sensemayá – sobretudo na versão para grande orquestra, de 1938 – baseada em um poema de Nicolas Guillén que relembra um sacrifício dos tempos do paganismo.

Foi correta a interpretação que lhe deu a Osesp. Mas foi, de certa forma, injusto colocar lado a lado, na segunda parte do programa, a peça de Revueltas, que é de qualidade apenas mediana, e uma das mais belas criações de Villa-Lobos: as Bachianas Brasileiras nº 4 – a começar pelo seu mágico prelúdio para cordas. Esse foi, finalmente, o momento mais gratificante do concerto, em que Neschling fez uma entusiasmada leitura da peça – em especial de seu último movimento, a Dança, com seu contagiante ritmo de miudinho. Tão bem tocado que foi necessário bisá-lo, ao final do concerto – o que a orquestra e seu maestro fizeram com mais garra ainda.

L.M.C.