Osesp executa com brilho obra angustiada de Tchaikovsky

Folha de S.Paulo - Quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

qua, 03/12/2008 - 11h58 | Do Portal do Governo

Folha de S.Paulo

A música sinfônica vale por sua sonoridade e, teoricamente, não precisa ser explicada por meio dos problemas psicológicos do compositor. Mas os biógrafos de Piotr I. Tchaikovsky (1840-1893) acabaram convencendo os musicólogos -e os dois grupos são muitas vezes formados pelos mesmos estudiosos!- de que as três últimas das seis sinfonias que o compositor russo escreveu foram produto de insuperáveis conflitos sexuais e, por conta deles, intermitentes períodos de depressão.

Faz até sentido. A “Sinfonia nº 4”, composta em 1877, coincide com a farsa de seu efêmero casamento com a ex-aluna Antonia Milioukova, que ele ingenuamente acreditava poder “curá-lo” do homossexualismo.

Tchaikovsky dedicou a obra à mecenas, Nadejda von Meck, a quem escreveu longa carta em que menciona eufemicamente a impossibilidade de conciliar a realidade e os devaneios. Von Meck não sabia que ele era gay.

O desabafo tinha algo de inteligência temperamental.

A prevalência sinfônica do infortúnio tem como desfecho, em 1893, a “Sexta” e última sinfonia, a “Patética”.

Pois bem, a Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), sob a regência de seu diretor artístico, John Neschling, acaba de lançar uma excelente versão da “Sinfonia nº 4”, acompanhada, no mesmo CD, pelo “Capricho Italiano”, peça bem mais leve e em nada angustiada do compositor russo.

Uma das características da Osesp sob Neschling está na maneira muito límpida e intensa de trabalhar com as cores, por mais sombrias que elas sejam. Há uma ênfase no brilhantismo, na vivacidade das partituras, levando as idéias musicais a parecerem escancaradamente explícitas. Em se tratando de Tchaikovsky, não há dissimulação: o dramático se torna mais dramático, o patético, mais patético.

A “Quarta” recebe da orquestra paulista um tratamento brilhante, magnífico, exemplar. Mais “biográfico”.

Essa cultura interna da Osesp se manifesta já de início, quando, no primeiro movimento, o andante sustenuto, o tema inicial é exposto com precisão pelos metais numa seqüência de 12 mi bemóis que nos mergulham na angústia sem a mínima piedade. Há um lindo jogo de contrastes.

O segundo movimento, um andantino, é marcado fluência melancólica do oboé; no terceiro, um scherzo, as cordas tocam em pizicato (beliscadas, e não com os arcos), como numa pausa para que respiremos com o oxigênio de belos arpejos. E, no quarto e último movimento, o allegro con fuocco, em que todos os naipes reiteram a tradução musical da infelicidade.

TCHAIKOVSKY – SINFONIA Nº 4 – CAPRICHO ITALIANO

Artista: Osesp (regência de John Neschling)

Lançamento: Biscoito Fino

Quanto: R$ 32,50, em média

Avaliação: ótimo