Osesp em Santiago: o entusiasmo de sempre

O Estado de S. Paulo - Quarta-feira, 6 de abril de 2005

qua, 06/04/2005 - 9h03 | Do Portal do Governo

Apresentações no Chile confirmam o esforço bem-sucedido da orquestra em conquistar boa reputação internacional

João Luiz Sampaio

Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, São Paulo Symphony, Orquestra Sinfonica del Estado de San Pablo. O nome varia de acordo com o gosto do cliente e assim a Osesp segue em seu projeto de firmar seu nome no cenário internacional. Na noite de segunda, fez o primeiro de dois concertos programados para Santiago em sua segunda turnê pela América Latina – já havia estado no Peru e na Argentina e, agora, voltou a Buenos Aires e visitou Córdoba em uma viagem que inclui ainda o Uruguai e as três capitais da região sul do País. Enquanto isso, chega ao mercado europeu o novo disco do grupo para o selo sueco BIS, com peças de Francisco Mignone: Maracatu de Chico Rei, Festa das Igrejas e Sinfonia Tropical.

Há todo um mundo de distância entre a luta de Mignone por encontrar um idioma musical nacional fortemente apoiado na tradição africana e a mistura de influências e correntes da Passacaglia para o Novo Milênio, peça de 2000 escrita por Edino Krieger, que abriu o concerto de segunda. Mignone escreve próximo do nacionalismo de Mário de Andrade. Dialoga, nem sempre em tom conciliador, com a idéia que o escritor tinha de música brasileira inspirada no folclore, referência que, ao lado da produção de Villa-Lobos, pautou grande parte de nossa produção musical no século 20. Já Edino Krieger começa a pensar em sua Passacaglia às vésperas do século 21: em música, isso quer dizer que a composição já não se guia – ou não precisa se guiar – por escolas exclusivas. O autor brasileiro, hoje, se volta ao passado com um olhar mais abrangente. E então cabem, como diz o musicólogo Marcos Lacerda, ‘desde incursões expressivas no campo do experimentalismo atonal ate à admiração pela música popular urbana’. É o pós-modernismo aplicado à música e que, nas mãos de um grande compositor, escapa de virar um enorme pastiche.

A primeira parte foi completada com o Concerto para Violino de Brahms. O solista foi o austríaco Benjamin Schmidt, figura crescente no cenário internacional – ele vai abrir, no segundo semestre, o Festival de Salzburgo solando com a Filarmônica de Viena e seu disco com a peça de Brahms foi bastante elogiado pela crítica. O que definitivamente não é pouca coisa quando se pensa nas dificuldades deste marco do repertório internacional, que desagradou até mesmo o músico para quem foi dedicado, o lendário violinista Joachim. Schmidt passou bem por todos os desafios técnicos e encerrou a primeira parte em grande estilo, após o Brahms, com a Sarabande de Bach oferecida como bis. Mas – coisas da música – que faltou um certo brilho, faltou.

O que já não se pode dizer da segunda parte, que teve uma grande interpretação da Vida de Herói, de Strauss. Neschling está, aqui, em seu território. Acompanhando seus anos à frente da Osesp fica clara uma predileção pela música do fim do século 19, início do 20 – e não é por acaso, portanto, que ele transformou o grupo em grande intérprete da música de Strauss e Mahler. E, ao narrar em seis partes a vida de um herói, seus inimigos, as batalhas, os dilemas, as paixões, a peça de Strauss é também uma excelente vitrine para qualquer orquestra: exige um virtuosismo acima da média de todos os naipes e, no diálogo entre eles e na busca pela construção de um discurso narrativo, a capacidade de tocar em conjunto. Ponto para a Osesp e seus músicos no concerto de segunda.

Um dos mais belos e antigos (completa 150 anos em 2007) teatros da América Latina, o Municipal de Santiago não estava cheio, tinha talvez 60% da lotação neste concerto que foi o terceiro da sua série internacional 2005. Mas as três peças oferecidas como bis – uma dança húngara de Brahms, uma peça de Giménez e o incansável Mourão de Guerra Peixe – e a resposta entusiasmada do público a elas são indícios de missão cumprida. Fenômeno da música brasileira, a Osesp quer ser também fenômeno latino-americano. E, depois, partir para o mundo, o que também não deixa de ser uma estratégia para se legitimar cada vez mais no cenário nacional, sempre sujeito – ainda mais na área cultural – a intempéries das mais variadas.

E não estamos falando só de música. O material preparado pelo grupo para a turnê é bem claro. Fala do Brasil, ‘um país que se tem destacado no cenário internacional por razões que vão muito além das belezas naturais, das conquistas esportivas e das festas populares’; fala do Estado de São Paulo, ‘o principal pólo da produção cultural brasileira, com 68 museus e 114 teatros’, entre eles a Sala São Paulo, construída com o ‘apoio fundamental do Governo do Estado’, além de lembrar que estamos falando de 1/3 do PIB brasileiro e do maior centro financeiro da América Latina. A Osesp resgata a antiga relação entre música e política, faz planos. E voa alto em direção a eles.