Osesp: Elenco homogêneo leva espetáculo ao sucesso

O Estado de São Paulo - Segunda-feira, dia 25 de setembro de 2006

seg, 25/09/2006 - 11h01 | Do Portal do Governo

Com 20 cantores, nacionais e internacionais, a versão em um só concerto de Il Tabarro e Gianni Schicchi, de Puccini, teve momentos de esplendor

Lauro Machado coelho

Executar em versão de concerto óperas como Il Tabarro e Gianni Schicchi, de Puccini, apresenta problemas. Fica limitado o espaço disponível para a movimentação do grupo de 20 cantores, forçando soluções estranhas, quando se quer sugerir a ação cênica – como é o caso da cena da morte de Luigi, no Tabarro. E o mais grave: colocar no mesmo nível orquestra e solistas acarreta desequilíbrios entre vozes e instrumentos, fazendo com que, em diversos momentos, aqueles fossem prejudicados por estes, que os encobriam.

Levando isso em conta, porém, pode-se dizer que foi um sucesso a apresentação, na quinta-feira, dessas duas óperas em um ato, integrantes do Trittico pucciniano. Se a realização de Gianni Schicchi pareceu mais satisfatória, é apenas porque, do ponto de vista da partitura e da qualidade do libreto, ela é uma ópera muito superior, fazendo lamentar que Puccini não tenha escrito outras comédias (o que não significa que faltem qualidades a Il Tabarro, baseada numa peça francesa de estilo grand-guignol, ou seja, de naturalismo cru).

A homogeneidade do elenco, em que cantores locais se juntaram aos vindos de fora, foi a principal causa do sucesso. O timbre escuro, a voz ampla do barítono Carlo Guelfi dominou os dois espetáculos. Ele pareceu mais à vontade como o embrulhão que falsifica o testamento de Buoso Donati em proveito próprio. Mas nem por isso deixou de ser convincente como o sofrido Michele que, ao envelhecer, sente estar perdendo a mulher que ama para um homem mais jovem.

Isabelle Klosinska – que esteve na Osesp, recentemente, participando da sinfonia-oratório de Penderecki – é uma cantora expressiva. O timbre, um tanto ácido e de inflexões às vezes prosaicas, é ingrato; mas ela sabe muito bem dar vida a uma personagem verista como Giorgetta. Foi muito forte, em especial, a sua cena com Nicola Rossi Giordano (Luigi), tenor lírico spinto que causou muito boa impressão. Menos satisfatória foi a atuação de Felipe Rojas (Rinuccio), tenor de voz basicamente interessante, mas que fez o fim de ‘Firenze è come un albero fiorito’, no Schicchi, com agudos desnecessariamente gritados.

De volta a São Paulo, onde morou e trabalhou longo tempo, Graciela Araya está com a voz mais escura e encorpada, um timbre acontraltado que ela usou de forma esplêndida como a Frugola, do Tabarro, e a velha Zita, do Schicchi. Nesta última, um grande momento foi o trio que ela canta com Denise de Freitas (La Ciesca) e Edna de Oliveira (Nella), ambas em ótima forma vocal, e fazendo de suas personagens boas caracterizações. Única cantora a ser aplaudida em cena aberta, no momento da popularíssima ‘O mio babbino caro’, a francesa Michelle Caniccioni tem um timbre muito bonito, e é uma soprano lírico muito talentosa.

No elenco de apoio, houve vinhetas apreciáveis: o Tinca de Marcos Thadeu; o Gherardo de Luciano Botelho; o Betto di Signa de Sávio Sperandio; Talpa e Simone, na voz poderosa de Diógenes Randes. Sem esquecer o charme de Mauro Wrona, na sua pequena contribuição como o Dr. Spinelloccio e sua cômica devoção à medicina ‘della scuola bolognese’.

John Neschling demonstrou muita afinidade com a música de Puccini. Conduziu um Gianni Schicchi de tempos ágeis, integrando com naturalidade as complexas cenas de conjunto que se sucedem num ritmo intenso, e fazendo a peça fluir com bom senso de teatro. Mas foi no Tabarro que ele extraiu da partitura, muito marcada pela atenção de Puccini à influência impressionista, os coloridos mais sugestivos, nessa música que sugere o movimento do rio e a ambientação da cidade em torno.

(SERVIÇO)Serviço Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. Sala São Paulo (1.484 lug.). Praça Júlio Prestes, s/n.º, 3337-5414. Hoje, 20 h. R$ 25 a R$ 79