Osesp abre hoje festival de inverno

O Estado de São Paulo - Sábado, dia 8 de julho de 2006

sáb, 08/07/2006 - 11h23 | Do Portal do Governo

Sob regência de John Neschling, grupo repete no Auditório Claudio Santoro programa interpretado quinta na Sala São Paulo

Lauro Machado Coelho

A Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo faz hoje às 21 horas no Auditório Claudio Santoro a abertura oficial do 37º Festival de Inverno de Campos do Jordão que, ao longo de um mês, vai reunir na cidade alguns dos principais músicos do País e importantes grupos estrangeiros, como o Quarteto Borodin e o Quinteto de Sopros da Filarmônica de Berlim. Sob a regência de Neschling, a Osesp vai interpretar obras de André Mehmari, Martinu, Edino Krieger e Shostakóvitch – o mesmo programa apresentado quinta e sexta-feira na Sala São Paulo.

Encomendada pela Osesp como peça de confronto para o Concurso de Regência deste ano, a Suíte de Danças Reais ou Imaginárias, de André Mehmari, é uma série de sete peças curtas, de estilo contrastante, jogando com os ritmos antigos ou modernos da giga e da pavana, da valsa e do maracatu. São enquadradas por um prelúdio e finale sobre a viva adaptação de um tema extraído de The Fairy Queen, de Henry Purcell. Denotando senso melódico e rítmico, é sobretudo uma obra muito bem orquestrada, que utiliza orquestra grande, com um conjunto muito diversificado de percussões.

Pena é a brevidade das peças não permitir que certas idéias mais interessantes, sobretudo nas passagens de caráter lírico, sejam mais amplamente desenvolvidas. Mas essa Suíte de Danças, estreada por John Neschling no concerto de quinta-feira, mostra em Mehmari, músico a meio caminho entre o clássico e o popular, um compositor a cuja produção valerá a pena estar atento.

De escrita densa e forma muito livre, com todo o refinamento de escrita da fase final de sua obra, o Concerto nº 4, de Bohuslav Martinu, é decerto o mais perfeito dentre as suas cinco peças desse gênero. O pianista tcheco Igor Ardasev fez uma leitura ao mesmo tempo precisa e exaltada dessa peça, em que piano e orquestra, em vez de dialogar, se combatem dentro de uma atmosfera sombria e ameaçadora. Um solista na medida para revelar essa página surpreendente do repertório do século 20; e que, no Ragtime dado em extra, impressionou pela sua técnica vertiginosa.

A segunda parte se iniciou com os sons radiosos da Passacalha para o Novo Milênio, que a Osesp encomendou a Edino Krieger em 1999. Nessa obra amadurecida, de quem sabe trabalhar desenvoltamente com as formas do passado e do futuro, Krieger encaixa, nas 12 variações da forma barroca, gostosas referências à marcha-rancho, à valsinha de estilo brasileiro, ao ritmo do frevo. A Osesp mostrou muita familiaridade com a peça, que já levou em seu repertório para turnês no exterior.

A Sinfonia nº 5 em Ré Menor Op. 47, de Shostakóvitch, coroou o programa. Funcionou muito bem a leitura analítica, compassada, da primeira parte do Moderato, fazendo ouvir com nitidez as vozes internas da peça, até a explosão das percussões e metais que assinala o início do desenvolvimento, no qual Neschling investiu toda energia. E ele frisou a vertente grotesca, mahleriana do Allegretto, no qual há toda uma aparente demonstração de bom humor que, na verdade – como o demonstrará o lancinante Largo seguinte – não deve enganar ninguém.

É nesse movimento lento, de que Neschling ofereceu uma leitura irrepreensível, que está sintetizada toda a angústia reprimida do indivíduo que, sob um regime sufocantemente opressivo, deve pôr no rosto a máscara de um otimismo que não corresponde ao que no íntimo ele sente. A forma como a orquestra fez morrer a coda, nas notas esparsas da harpa e da celesta, deixou clara a desesperança expressa por Shostakóvitch nessa música de suposta aceitação das críticas oficiais.

Pessoalmente, não me agradam as flutuações de andamento adotadas por Neschling na Allegro non troppo: os tempos estáveis de Mravínski, que estreou a obra em novembro de 1937, criava um crescendo de tensão muito mais intolerável. Isso não significa, porém, que tenha faltado eletricidade à interpretação desse movimento, cuja coda, com suas aterrorizantes batidas na grande caixa – dando significado inquietante e ameaçador àquilo que deveria ser um final apoteótico – pôs eloqüente ponto final num concerto de programa extremamente bem escolhido e realizado.