Os ‘Indiana Jones’ do cimento

Jornal da Tarde - Domingo, 12 de junho de 2005

seg, 13/06/2005 - 11h38 | Do Portal do Governo

ARYANE CARARO

Arqueólogos acompanham de perto as escavações do Metrô para a construção de novas estações na Capital, em busca de fragmentos da história da Cidade, como vestígios indígenas ou dos primeiros colonizadores. O que mais se encontra, no entanto, é lixo doméstico, como meias velhas e revistasIndiana Jones acompanha atentamente a escavação de um buraco aberto no piso de uma antiga loja de carros no Ipiranga, Zona Sul da Capital. No quarteirão da Avenida Dr. Gentil de Moura e Rua Visconde de Pirajá, os operários escavam buracos, retiram a terra e a peneiram. Nenhum fragmento passa despercebido pelos olhos de Indiana, que procura, no local onde será a futura Estação Ipiranga do Metrô, vestígios da história da Cidade. Mas ele não é ator, não veste roupas cáqui nem usa chapéu e chicote. Sobre a cabeça, leva só um capacete de construção, como norma de segurança.

Luiz Franco, 25 anos, apelidado de Indiana Jones pelos operários que trabalham nas obras do Metrô, faz parte da equipe da historiadora Erika González, 45, sócia-diretora da empresa Documento Antropologia e Arqueologia. ‘Isso é um estigma que a gente carrega. Harrison Ford foi mais forte do que nós’, brinca Erika, a arqueóloga do cimento. O ambiente das escavações, concorda ela, é diferente dos lugares exóticos vistos nos filmes. ‘O arqueólogo trabalha junto ao trator, no meio da avenida, atravessando favelas. Isso foge do imaginário das pessoas.’ E se o trabalho for no Interior, a dificuldade é maior para explicar que eles não são garimpeiros, apesar de carregarem sempre uma peneira.

Como arqueóloga, ela procura objetos ou fragmentos de peças que possam contar um pouco da história da Cidade – um vestígio indígena ou dos primeiros colonizadores. Claro, descartadas as exceções – tubos de pastas de dente, meias velhas, revistas e lixo doméstico -, que volta e meia são encontrados. ‘O que a gente busca é achar o solo original. Mas em São Paulo, pela enorme quantidade de construções e demolições, tem muito aterro. Lidamos com uma cidade muito modificada e, por isso, o trabalho tem de ser cuidadoso.’

Assim, nenhuma máquina das empreiteiras contratadas para fazer as obras do Metrô – o prolongamento da Linha Verde e a construção da Amarela – começa a escavar antes de Erika e sua equipe liberarem o local.

Pesquisa, mapas e fotos fazem parte do registro
O primeiro passo foi dado no escritório. ‘Fizemos uma pesquisa de mapas históricos de São Paulo, desde o século 19, e jogamos a linha do metrô em cima.’ Deste cruzamento, os arqueólogos começam a levantar hipóteses do que encontrar nas sondagens.

A segunda etapa vem antes das desapropriações. ‘Fazemos o registro arquitetônico das ocupações do bairro, com fotos e plantas do interior e exterior das construções.’ Assim que os imóveis são desapropriados, os ‘garimpeiros do cimento’ entram em campo para fazer a varredura do subsolo.

A sondagem consiste em abrir buracos – de até 5 metros de profundidade a partir do solo original ou de até 10 m em casos extremos -, com distância de 5 m um do outro. A terra é retirada aos poucos, com instrumentos manuais, e peneirada. ‘Se encontramos alguma coisa, tiramos toda a capa (piso) e começam as escavações clássicas da arqueologia’, explica. Com direito a pincel e tudo. ‘É um trabalho de formiguinha. Nossos vestígios são muito delicados e fugazes.’ Se não encontrar nada, o trabalho não é perdido. ‘Fazemos a recuperação da história dos bairros. Isso poderá ser fixado nas futuras estações do Metrô’, adianta, sobre as negociações com a empresa. Só então os operários são liberados para entrar com escavadeiras – sempre com supervisão dos arqueólogos.

A esperança é encontrar objetos antigos. ‘Queremos trazer muitas páginas para a história de São Paulo, que está enterrada. E como essas obras rasgam a Cidade em várias direções, podemos avançar neste conhecimento.’ As maiores apostas estão concentradas na Linha Amarela, especialmente na Luz, República, Largo da Batata e Consolação.