Ópera sob medida

O Estado de São Paulo - Quarta-feira, dia 20 de setembro de 2006

qua, 20/09/2006 - 11h05 | Do Portal do Governo

Da partitura para o palco, veja como se dá a criação de uma nova peça lírica

João Luiz Sampaio

A orquestra escolheu um compositor. Encomendou a ele uma ópera. Juntos, elegeram um tema. O autor, por sua vez, pôde escrever sua obra conhecendo seus intérpretes, o teatro em que estrearia, os recursos cênicos de que disporia. Uma ópera feita sob medida. Um ambiente controlado. Certo? Não exatamente. A Tempestade, nova obra de Ronaldo Miranda, estréia sexta-feira no Teatro São Pedro. Adaptada da peça de Shakespeare, será interpretada pela Banda Sinfônica do Estado de São Paulo, com regência de Abel Rocha e direção cênica de William Pereira. Novas obras são raras em nossos teatros. Ainda mais de autores brasileiros. Mas, para além do ineditismo, a produção de A Tempestade pode revelar muito sobre o processo de criação de uma nova obra. A reportagem do Estado acompanhou tudo.

‘É aqui que a obra se completa’, diz Rocha. ‘Aqui, não há referências. Quando você produz uma Traviata, uma Carmen, você chega à obra com dezenas de montagens na cabeça, tem seus intérpretes preferidos, etc. Aqui, não há nada disso. Você começa do zero. E isso muda tudo’, completa William Pereira. Os dois conversam com o Estado na platéia do São Pedro. Aos poucos, os cantores chegam ao teatro. Têm o primeiro contato com o cenário, ainda incompleto. ‘Ainda falta o navio’, diz um dos cantores. ‘O formato do cenário ajuda a projeção das vozes’, comenta outro. ‘Está dando para escutar aí do fundo?’, pergunta um barítono. ‘Tudo para nós é novidade’, completa.

Ronaldo Miranda compôs A Tempestade de janeiro a julho deste ano. No início de agosto, entregou, prontas, a partitura para canto e piano e a orquestração (aquela mesma partitura do piano, agora com as notas distribuídas pelos instrumentos da Banda Sinfônica) do primeiro ato. E caiu doente. ‘Não foi culpa minha’, ele brinca, ao telefone. Está em sua casa, no Rio, angustiado. Ainda não sabe se vai conseguir viajar a São Paulo para a estréia. Como ficou o segundo ato? ‘A Banda precisou chamar três colegas, que, a partir do que eu já havia feito no primeiro ato e das anotações que eu fui mandando por e-mail ou telefone, completaram a orquestração.’

A partitura estava pronta. Hora de começar os ensaios. O pior já havia passado? ‘A obra ganha vida é aqui, no palco’, diz o maestro Rocha. ‘Quando você vê uma ópera de Verdi ou Puccini, imagina que tudo o que acontece em cena foi previsto pelo compositor. Não é assim. Os intérpretes, com o passar do tempo, preenchem a partitura. É nos ensaios que surgem filigranas, pequenos detalhes que completam a obra. Não se engane. Criar uma ópera não pára na inspiração do autor, na sala de sua casa, compondo. Tem um trabalho braçal enorme envolvido.’ Vamos a ele.