Ofurô para bebês

Folha de S.Paulo - Quinta-feira, 22 de setembro de 2005

qui, 22/09/2005 - 10h34 | Do Portal do Governo

Banheira permite reviver ambiente do útero materno

TATIANA DINIZ
DA REPORTAGEM LOCAL

José Richard tem apenas nove horas de vida, e tudo ao seu redor ainda lhe parece estranho -a luz, os sons, o espaço que o rodeia e todas as suas novas sensações, como a da gravidade e a do tato.

No aconchego do colo da mãe, Maísa de Sena, 34, nem imagina que vai enfrentar mais uma experiência desconhecida: um banho. Mas, quando a enfermeira o coloca na água, o recém-nascido não chora. A expressão inicial dele é de surpresa. Depois, num ‘quase-sorriso’, transmite um prazer evidente.

O primeiro banho de Richard não foi do tipo tradicional, e sim um banho de imersão.

Ou uma sessão de ofuroterapia, como a técnica foi apelidada pela equipe de cuidados neonatais do Hospital Estadual da Vila Alpina, na zona leste de São Paulo.
Numa banheira com formato semelhante ao de um balde e na qual fica mergulhado até o pescoço, o bebê revive o ambiente do útero materno. Envolto em um lençol que reproduz os limites da placenta e imerso em água aquecida à temperatura do corpo humano, aquieta-se. Sereno, chega a cochilar.

‘Nossa, ele está adorando’, surpreende-se mãe da criança -que tem quatro filhos, mas não conhecia essa possibilidade de banho. E quando o médico que acompanha o procedimento ensina que ela pode fazer a imersão em casa usando até mesmo um balde comum, ela aprecia a idéia. ‘Vou fazer sim, olha como ele ficou sossegado.’
O banho de imersão foi introduzido experimentalmente há cerca de um ano na maternidade do hospital. ‘É mais uma estratégia no processo de humanização do parto. Nascer pode ser uma vivência estressante’, explica o pediatra e coordenador de neonatologia da instituição, Carlos Eduardo Carvalho Corrêa.

‘Alguns bebês mantêm o choro cíclico nas primeiras horas de vida: choram e param, choram e param. É como se ainda estivessem enfrentando o trabalho de parto. Nem mesmo o colo da mãe os acalma. Nesses, o banho é dado pelo pai logo depois do nascimento’, explica o especialista.

O ‘ofurô neonatal’ é oferecido a todos os recém-nascidos clinicamente estáveis, inclusive aos prematuros. ‘É um banho com o objetivo de relaxamento, e não de higiene. A limpeza da criança é feita antes, com um paninho.

Principalmente para os prematuros, o banho de fricção pode ser até mesmo dolorido’, afirma Corrêa.
A estratégia foi aprovada em massa pela equipe. ‘A resposta do bebê é de relaxamento, ele vai se soltando aos poucos. Isso favorece o aleitamento e a construção de vínculo com os pais, que ajudam a banhá-lo’, observa a enfermeira Wanderléa Leal, 37, que acompanha os recém-nascidos.

A banheira utilizada no banho foi inventada na Holanda e chegou ao Brasil com a marca Tummy Tub. Muito parecida com um balde, é fabricada com um tipo de plástico que mantém a temperatura da água, garantido que continue quente durante os 15 ou 20 minutos em que a criança está imersa.

BANHO NO BALDE
A atriz Luah Guimarãez, 36, conheceu a banheira por intermédio de uma amiga e adotou a prática na rotina da filha Catarina, dois meses. ‘Quando ela veio me falar eu achei meio esquisito. Como assim, dar banho num balde? Mas bastou ver para entender que é um banho especial e muito terapêutico’, conta.

Luah faz toda a higiene de Catarina antes de pôr o bebê na água. ‘Depois ela vai para o balde e fica 15 minutos lá, numa viagem dela. Sinto que fica feliz e que não se descoordena como acontece na banheira normal’, diz.

MINIATURA EM MADEIRA
Inspirado na banheira japonesa feita em madeira, o arquiteto e escultor Wilson Will Alves, dono da Will Arte, desenvolveu um ofurô nos moldes tradicionais, porém no tamanho adequado para os bebês. Os testes foram conduzidos por um ano até que Will chegasse ao modelo final, feito artesanalmente.

O miniofurô de Will teve como inspiração o filho dele, Pedro, hoje com cinco anos. ‘Dei o primeiro banho dele numa tina de madeira, e a expressão dele de surpresa e de alegria foi algo indescritível. Comecei a refletir que, no início da vida, a gravidade deve ser muito estranha para a criança’, comenta o arquiteto.

Em 2004, a analista Vivian Tchistow, 28, participou da bateria de testes para o design ideal do ofurô para bebês, banhando o filho Diogo, 18 meses, numa tina durante uma semana. ‘A madeira mantém a água quente, então a criança pode brincar bastante’, conta. A ergonomia também foi aprovada ‘O apoio de braço ajuda na postura de quem está dando o banho’, descreve. A desvantagem é o preço: R$ 1.600.

A psicanalista Talia Candi descobriu a tina e resolveu instalar uma na creche em que trabalha, em São Paulo. ‘Usamos principalmente nos bebês mais nervosos, que têm crises de choro e são mais difíceis de acalmar’, relata.

‘Um dos benefícios do banho de imersão é que estimula e relaxa simultaneamente. A criança não entra lá e adormece, ela se tranqüiliza e fica mais concentrada para comer, por exemplo’, diz Candi.

SEM ESTRANHAR
‘A gente ouve a vida toda que banho de bebê é ‘banho de gato’, que tem de ser feito com pouca água e muito rapidamente’, diz Luah Guimarãez. A observação remonta a um temor presente no inconsciente coletivo, que associa a união de água e criança a perigo.

O publicitário Washington Olivetto, 53, driblou essa crendice desde cedo com os filhos gêmeos Theo e Antônia, 15 meses. ‘Aos quatro meses eu já usava os jatinhos do ‘cuca fresca’, nos calçadões do Rio de Janeiro, para molhá-los, e eles adoravam’, diz.

Olivetto ganhou uma tina de ofurô para os gêmeos e introduziu a dupla nos banhos de imersão. Daí para os banhos de chuveiro e para a natação foi um pulo. ‘Acho que a resistência das crianças ao banho acontece porque os primeiros são com pouca água. Nunca tive problema de chororô para tomar banho. Eles sempre usaram a muita água’, relata.