O veneno da exceção

Folha de S. Paulo - Tendências/Debates - Quinta-feira, 14 de abril de 2005

qui, 14/04/2005 - 9h33 | Do Portal do Governo

NAGASHI FURUKAWA

O artigo ‘Provando do próprio veneno’, do excelentíssimo professor, autor e desembargador José Carlos G. Xavier de Aquino, publicado na Folha em 7 de abril último (pág. A3), traz considerações sobre o sistema penitenciário de São Paulo que merecem reflexões para um modelo eficiente.

A lamentável rebelião no Centro de Detenção Provisória 1, de Pinheiros, em 17/3, que terminou com dois agentes de segurança penitenciária mortos e dois feridos, não retrata a realidade das outras 131 unidades prisionais sob a responsabilidade da Secretaria da Administração Penitenciária. As cenas de presos com celulares, drogas e declarações de ‘um grande esquema de corrupção’ vislumbradas no episódio tiveram como resposta providências imediatas. Como o próprio artigo informa, a direção da unidade foi afastada para a apuração das responsabilidades e os presos transferidos para o regime disciplinar, alguns para o regime disciplinar diferenciado e outros para o especial, embora esta última ação não seja citada no texto.

A providência salutar de afastar toda a direção não se deu em virtude da rumorosa repercussão do fato. O autor, por não estar inserido no cotidiano administrativo da Secretaria da Administração Penitenciária, desconhece, e nem tem elementos para conhecer, as providências tomadas nessa esfera -suspensões, demissões, cassações de aposentadorias e afastamentos ocorridos após a comprovação de atos não apropriados ao servidor público.

Não veio a lume o anúncio da instalação de aparelhos de raio-x em razão da rebelião. Todas as pessoas que conhecem os trâmites legais para a aquisição de material público sabem do tempo que transcorre entre o processo licitatório e a efetiva instalação dos equipamentos. Como administrador, reconheço que esses aparelhos não eliminam completamente a entrada de objetos proibidos nas unidades, até porque os objetos introduzidos no ambiente prisional o são de duas maneiras: pela corrupção de funcionários ou pelo drible dos visitantes. Zerar a entrada de objetos, o que seria ideal, implica a transformação de conduta de todos os que entram no sistema, seja para cumprir pena, exercer seu ofício ou visitar um parente.

Parafraseando o professor Manoel Pedro Pimentel, o crime é uma doença social e o criminoso, um doente; portanto foge às decisões administrativas da Administração Penitenciária remédio almejado para a moléstia social.

Escola de administração penitenciária não é novidade em São Paulo. Inspirada em Michel Foucault, na sua obra ‘Vigiar e Punir’, a Secretaria da Administração Penitenciária, através da Escola de Administração Penitenciária, fundada em 1977, com novas dependências inauguradas no último dia 21, está empenhada no aperfeiçoamento do sistema penitenciário, por meio de cursos de formação e aperfeiçoamento técnico-profissional de agentes de segurança penitenciária e de agentes de escolta e vigilância penitenciária; capacitação de dirigentes técnicos e administrativos; cursos de atualização para técnicos e servidores administrativos; palestras; seminários sobre gestão de organizações para o sistema penitenciário; treinamento de implantação do modelo de atenção à saúde, escola à distância e pesquisa.

Insisto e repito que, apesar da rebelião no CDP 1, São Paulo não investe só em recursos tecnológicos, mas também na formação do profissional que trabalha com os presos. Só com a junção de iniciativas é que se impedem atos ilícitos e/ou desvios de conduta profissional. Para registro, segue o número de presos e de rebeliões dos últimos anos:
em 2002, com população de 83.033 presos, houve 8 rebeliões;
2003, população de 99.026, nenhuma rebelião;
2004, população de 109.163, 4 rebeliões;
2005, população de 111.824, 1 rebelião.

Cabem ao governo e à sociedade soluções que reflitam em um modelo eficiente e moderno. O índice de rebeliões ocorridas nas unidades da Secretaria da Administração Penitenciária demonstra que ambas as partes estão trabalhando para o fim de movimentos lamentáveis como o ocorrido no CDP 1. Para que esses índices fossem atingidos, além de outras providências, o governo de São Paulo, desde 2002, quando desativou a famigerada Casa de Detenção, veio estruturando suas unidades, com a separação dos presos em baixa, média e alta periculosidade. Essas iniciativas, que têm obtido sucesso e objetivam a prevenção especial e a salvaguarda da defesa social com a recuperação dos presos, não podem ser manchadas pela rebelião do último mês.

As sugestões do desembargador Xavier de Aquino, portanto, há muitos anos são realidade no sistema penitenciário paulista.


Nagashi Furukawa, 56, juiz de direito aposentado, é o secretário da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo.