O transporte de todas as classes

Jornal da Tarde - Cidades - Terça-feira, 14 de setembro de 2004

ter, 14/09/2004 - 10h40 | Do Portal do Governo

No início, ele atraía os jovens estudantes e curiosos – vinha gente até do Interior para conhecer a novidade. Mas ao longo dos anos, com a expansão das linhas para as áreas mais distantes do Centro, o metrô conquistou trabalhadores das classes populares e hoje transporta 2,5 milhões de pessoas por dia

As décadas de 60 e 70 foram marcadas pela euforia do ‘milagre brasileiro’. Mas nenhuma entre as grandes obras aguçou tanto o imaginário popular quanto o Metrô. Falavam em transporte supersônico. Imaginavam uma velocidade de 300 km/h. Esperavam com ansiedade a chegada. Exceto as mulheres, que preferiam aguardar um pouco mais para fazer a primeira viagem. Elas queriam ter certeza de que o transporte era, de fato, seguro.
Sim, o metrô também causava medo. Tudo era novidade. Até as escadas rolantes, que em 1974 existiam apenas num edifício em São Paulo. Não foi por acaso que, quando o metrô começou a fazer as viagens monitoradas, formaram-se filas nas catracas das estações. Seis meses mais tarde, em 16 de setembro, quando teve início a operação comercial, os curiosos continuavam a lotar as composições. Na primeira semana de funcionamento, 6.800 pessoas viajaram do Jabaquara à Vila Mariana. Vinha gente do Interior e de bairros afastados experimentar a novidade.

E foi marcado pela curiosidade o perfil dos primeiros usuários, em pesquisa de 1974. ‘Muita gente ia conhecer e visitar’, conta a analista de pesquisa Denise Daud Cardoso, há 16 anos na companhia. Ela explica que a maior parte dos passageiros morava ao longo da linha e era das classes média e alta. Os jovens, principalmente estudantes, e os homens predominavam.

Em 75, com a integração entre metrô e ônibus – e criação dos estacionamentos nas estações -, o perfil sofre uma leve mudança. ‘Os trabalhadores começam a entrar e o metrô se transforma em um transporte de massa’, diz Denise. A classe média baixa adota o transporte subterrâneo. Os estudantes até 17 anos ainda eram numerosos (17%), até por causa deles o número de usuários com 1º grau (atual Ensino Fundamental) incompleto era significativo. Mas eles começavam a abandonar o metrô – numa queda crescente, até chegar a 4% dos usuários em 2003. Os jovens até 24 anos formavam a fatia mais populosa dos passageiros. E conhecer o metrô ainda era o motivo da viagem para 63%.

Com o fim do milagre brasileiro, e as crises econômicas, a pesquisa de 1984 já mostra um usuário com renda mais baixa, embora ainda de classe média. ‘Muitas pessoas passaram a fazer viagens a pé’, comenta Denise. Além disso, a Linha Vermelha – com a inauguração das estações Bresser, Belém e Tatuapé no começo da década de 80 – passa a transportar as classes populares. A crise e a exigência do mercado de trabalho moldam o perfil dos usuários: a maioria tem 2º grau (Ensino Médio) completo.

A escolaridade vai aumentando e, em 93, 17% dos usuários possuem ensino superior completo. As mulheres também vão conquistando espaço dentro das composições – mais uma vez, o mercado de trabalho é o responsável pelo avanço feminino. A maioria dos passageiros tem emprego formal, com carteira assinada. ‘Isso tem crescido. É um usuário que recebe subsídio do empregador’, analisa Denise.

A idade média também cresce. ‘Até pela gratuidade, você aumenta a mobilidade dos idosos, que permanecem mais no mercado de trabalho, pois ainda são o sustento da família’, diz ela. ‘Os jovens têm dificuldades para conseguir emprego.’ Sem esquecer, claro, do aumento da expectativa de vida e redução da natalidade.

Na pesquisa de 2003, o resultado não foi tão surpreendente: a renda média do usuário caiu. Mesmo assim, permanece mais alta que a dos passageiros de outros tipos de transporte coletivo. A escolaridade continua aumentando e a presença feminina também. O metrô é cada vez mais usado para se chegar ao trabalho (65% dos passageiros nos dias úteis).

Hoje, cerca de 2,5 milhões de pessoas usam o metrô diariamente. O transporte ‘supersônico’ já não dá mais medo. Também já abandonou o status de acomodar apenas a classe média alta. E, em alguns casos, como na linha lilás, o bilhete custa o mesmo que a passagem de ônibus: R$ 1,70.