O Tietê domesticado

O Estado de S. Paulo - São Paulo - Quinta-feira, 13 de janeiro de 2005

qui, 13/01/2005 - 9h40 | Do Portal do Governo

EDITORIAL

Lama e água refluíram das galerias, transbordaram de córregos e rios e se acumularam em quase 80 pontos na capital, em São Bernardo do Campo, Santo André e Diadema, na terça-feira. Em alguns pontos, choveu, em poucas horas, quase todo o volume esperado para o mês de janeiro. Imagens típicas de verão voltaram a apresentar movimentados corredores de tráfego submersos, como os localizados nas vizinhanças do Paço Municipal de São Bernardo, e dos Córregos Aricanduva e Pirajuçara, na capital. A Marginal do Tietê, no entanto, cenário de tantas enchentes em São Paulo durante décadas, manteve-se, de ponta a ponta, sem alagamentos.

O nível do Rio Tietê subiu 5 metros, o que até alguns anos atrás teria causado inundações em muitos dos bairros próximos. Graças ao aprofundamento de 2,5 metros da calha do rio, ao aumento da sua declividade e ao alargamento do leito, de 28 para 46 metros, a carga extra de água despejada no Tietê por seus afluentes foi acomodada com segurança. Nos últimos três anos, São Paulo não registrou transbordamento no Rio Tietê.

É o resultado dos trabalhos do Programa de Combate às Enchentes do Governo do Estado, que tem a ampliação da calha do Rio Tietê como obra central, desde 1998. O programa inclui ainda a construção de barragens, piscinões, canalização de córregos e urbanização das Marginais.

O Estado já investiu mais de R$ 1 bilhão nas obras realizadas em parceria com o Japan Bank for International Cooperation (JBIC), que financia 75% do programa. Outro US$ 1,5 bilhão é investido paralelamente no projeto de despoluição do rio, considerado pelos técnicos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que financia metade do programa, como o projeto de saneamento mais bem gerenciado do mundo.

Na primeira etapa dos trabalhos de alargamento do rio, concluída em 2000, a calha foi aprofundada nos 16 quilômetros entre o Cebolão e o lago da Barragem Edgard de Souza. A vazão foi, assim, ampliada de 700 para 1.180 metros cúbicos, na altura do Cebolão; e de 840 para 1.440 metros cúbicos em Edgard de Souza.

Até o término da segunda etapa das obras, previsto para o fim deste primeiro semestre, o volume de sedimentos extraído deverá chegar a 7 milhões de metros cúbicos. Com a conclusão da ampliação da calha, o Tietê estará dimensionado para suportar chuvas de até 117 mm em 24 horas (a média histórica de chuvas registrada no mês de janeiro é de 252 mm).

O esforço do governo do Estado no combate a enchentes a partir do grande vilão, o Rio Tietê, merece o reconhecimento não apenas pelo resultado surpreendente, como também pelo eficiente planejamento da obra, realizada num trecho metropolitano muito complexo. Além da grande população do entorno, o rio está confinado entre as pistas da Marginal do Tietê por onde circulam 700 mil veículos/dia. Nem por isso, a obra trouxe qualquer tipo de transtorno nesses anos todos para o tráfego da capital.

Esse esforço do governo do Estado merece ser compensado pela mudança de comportamento da sociedade e dos governantes de toda a região metropolitana da cidade, ainda incapazes de se unir no combate às enchentes. Na terça-feira, mais uma vez, as águas mostraram que não respeitam os limites dos perímetros de cada cidade. Avançam, inutilizando, muitas vezes, os investimentos realizados de forma isolada por essa ou aquela prefeitura.

O plano de macrodrenagem da região metropolitana precisa ser acelerado ou até mesmo grandes obras como a do Rio Tietê poderão ter, em breve, seus resultados comprometidos. Além da construção de piscinões e do desassoreamento de córregos, é tarefa das prefeituras impedir os processos erosivos nas frentes de expansão urbanas, geralmente levados adiante nos terrenos periféricos, vulneráveis à erosão.

Nos loteamentos clandestinos e em muitos regularizados, a proteção vegetal é quase sempre eliminada e os trabalhos de terraplanagem são feitos sem nenhuma preocupação ambiental. Com as chuvas, sedimentos e lixo são levados para as calhas hidrográficas, provocando o assoreamento de rios e córregos e, conseqüentemente, as enchentes.

O custo do alargamento de calhas, do desassoreamento de córregos, da construção de piscinões é infinitamente mais alto que o da fiscalização do uso adequado do solo.