O tempo não pára

Folha de S. Paulo - São Paulo - Quarta-feira, 21 de julho de 2004

qua, 21/07/2004 - 9h10 | Do Portal do Governo

GILBERTO DIMENSTEIN, colunista da FOLHA

Vítima de um tumor no cérebro, o médico e empresário José Nemirovsky morreu em 1987, mas, para a cidade de São Paulo, ele voltou a viver ontem -graças à herança que deixou para um museu.

Quando já sabia que o tratamento a que se submetia não faria efeito e se preparava para morrer, Nemirovsky tratou de enfrentar um de seus medos: o de que a sua coleção de arte moderna brasileira -o maior acervo privado do gênero- acabasse dispersa em leilões e, com o tempo, desaparecesse como ele estava desaparecendo. Decidiu então entregá-la para a comunidade. ‘Ele tinha o desejo de estimular a educação pela arte’, diz a viúva, Paulina Nemirovsky.

Filho de imigrantes russos, José fez dinheiro não com a medicina, mas fabricando papel. Sua paixão, porém, era a pintura. Vivia no meio de artistas plásticos, colecionares, marchands e críticos de arte. Nas horas vagas, fazia experimentos nas telas.

Sua casa, no Jardim Europa, transformou-se em uma espécie de museu, onde mora ainda Paulina, de 80 anos, com a saúde frágil. Ali, entre as mais de 200 obras, foi assinado ontem documento em que o acervo é transferido para um museu público. Ninguém se arrisca a calcular o valor de todas aquelas obras. ‘É impagável’, resume a secretária da Cultura do Estado de São Paulo, Cláudia Costin.

Coube a Paulina tirar o desejo do marido do papel, consumado agora. Contratou a curadora Maria Alice Milliet para organizar a fundação, cuidar do acervo e ir preparando a transferência para um museu. Em todos esses anos, buscou-se um local adequado para receber o acervo e, enfim, foi escolhida a Estação Pinacoteca, até pouco tempo sede do Dops, um dos exemplos da revitalização do centro.

No fim de agosto, haverá a primeira exposição do acervo na Estação Pinacoteca. Não será uma simples exposição: será lançado programa para atrair professores e alunos, especialmente de escolas públicas, educados para apreciar a beleza das obras de Portinari, Di Cavalcanti, Cícero Dias, Tarsila do Amaral e Anita Malfati, entre muitos outros.

Pelo menos para a cidade que o acolheu, longe da perseguição e da intolerância da Europa oriental, José Nemirovsky vai ser lembrado como sempre quis viver: no meio das artes. E, para completar, num cenário que, até pouco tempo, por ser símbolo da repressão, só lembrava a morte.