O sucesso do modelo Furp

O Estado de S. Paulo - Segunda-feira, 26 de janeiro de 2004

seg, 26/01/2004 - 9h35 | Do Portal do Governo

Editorial

A Fundação para o Remédio Popular (Furp), o laboratório do governo estadual paulista, alcançou em 2003 a maior receita de sua história – R$ 193,8 milhões, 27,96% maior do que a do ano anterior. Essa expansão decorreu tanto do aumento da capacidade produtiva – com a venda de remédios de maior valor agregado – como de um reajuste nos preços dos remédios que acompanhou os aumentos dos custos de produção. A empresa estatal abandonou velhos ‘dogmas’, a ponto de adotar contratos de terceirização para a produção de remédios, quando a capacidade instalada não é a ideal para fabricá-los a menor custo.

A Furp foi responsável pela entrega, no ano passado, de 2,1 bilhões de unidades de remédios para os três níveis de governo, embora a linha de produção da empresa seja responsável direta por apenas 1,4 bilhão dessas unidades na fábrica de Guarulhos. O restante da produção foi terceirizado. Com tecnologia mais complexa, novos remédios foram produzidos, diversificando o portfólio da Furp que atingiu, em 2003, 60 itens. Para 2004 está prevista expansão da produção interna do atual 1,4 bilhão de unidades para 1,5 bilhão. Metade da produção é vendida para o Estado, 15% para prefeituras ca-dastradas e 35% para o governo federal.

O Ministério da Saúde anunciou revisão na política de medicamentos produzidos nos 17 laboratórios públicos, obrigando que estas fábricas funcionem como ‘sistema único’. A iniciativa prevê que laboratório que obtenha redução de custo ensine o expediente aos demais, incentivando a produção ‘em conjunto’ não isoladamente. O Ministério está pressionando para utilizar até os laboratórios do Exército que, segundo os técnicos do Departamento de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, estão ociosos.

A Furp adotou outra sistemática para reduzir custos e atender ao crescimento da demanda por medicamento nos órgãos públicos de saúde, descentralizando e diversificando a produção, ao contrário do que pretende o Ministério.

A população carente, que utiliza os serviços públicos de saúde, não tem possibilidade de comprar os remédios prescritos. Pacientes com doenças crônicas ou em estado grave acabaram por requerer na Justiça, por ação do Ministério Público, o direito de receber gratuitamente os remédios prescritos da rede pública de saúde. O custo dessas decisões judiciais é tão alto que, em setembro, o Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) marcou reuniões com representantes de instâncias superiores do Judiciário para que os juízes, como disse André Gustavo dos Santos, representante do Ministério da Saúde na Conferência Nacional de Medicamentos, ‘deixem de lado aspectos emocionais de casos específicos e se atenham aos aspectos racionais, porque os recursos são limitados’. Em 2002 foram registrados 180 mil pacientes que recebiam, por decisão judicial ou não, remédios de uso contínuo. O problema é reconhecido pelos fabricantes privados de medicamentos. Em junho, Cyro Mortela, presidente da Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica, afirmou em debate na Comissão de Seguridade Social da Câmara que 50 milhões de brasileiros ‘não teriam acesso a medicamentos mesmo se fossem bem mais baratos’.

A ineficiência da produção estatal de remédios tem custo alto para o restrito orçamento da Saúde. O ‘modelo’ Furp não pode ser desprezado no obrigatório debate sobre o que fazer para que a ociosidade ou ineficiência dos laboratórios oficiais não fira o direito constitucional de todo brasileiro de ter tratamento de saúde.