O Rodoanel e o meio ambiente

O Estado de S. Paulo - 2/5/2003

sáb, 03/05/2003 - 10h27 | Do Portal do Governo

José Goldemberg


A idéia de construir uma rodovia em torno da Região Metropolitana de São Paulo é antiga, mas só começou a ser implementada pelo governador Mário Covas, com o apoio do governo federal. A maioria das grandes cidades do mundo adotou a solução de rodoanéis para desviar o tráfego das áreas urbanas, sendo difícil perceber por que isso seria diferente em São Paulo.

Apesar disso, como toda grande obra pública, deu origem à oposição de certos setores, devido aos dividendos eleitorais que poderia gerar ou, então, por questionamentos mais fundamentais, como o do próprio modelo de desenvolvimento que está por trás dela.

Mais recentemente, questionamentos adicionais foram levantados em relação aos impactos que o Rodoanel teria sobre o meio ambiente, e esta parece ser a arena onde o debate se concentra agora.

Grandes obras podem impactar significativamente o meio ambiente, sejam elas estradas, hidrelétricas, conjuntos habitacionais, limpeza e retificação de cursos d’água, bem como o crescimento das grandes cidades, verdadeiras ‘selvas de pedra’, como São Paulo. Freqüentemente, é preciso escolher entre preservar integralmente o meio ambiente e promover o desenvolvimento econômico e social que essas obras trazem.

O problema não é novo e o que já se aprendeu no restante do mundo – que já o enfrenta há muito tempo – e até em nosso próprio país é que há formas de fazer tais obras minimizando seu impacto e, quando isso não é possível, adotando medidas compensatórias.

O bom exemplo dado pela construção da segunda pista da Imigrantes indica o caminho a ser seguido: ela destruiu uma área 40 vezes menor de mata atlântica do que a primeira via, construída há cerca de 20 anos, e a compensação financeira que a empresa construtora foi obrigada a pagar – destinada a melhorias no Parque Estadual da Serra do Mar – é considerável. O trecho oeste do Rodoanel já foi construído e as vantagens que trouxe à circulação em torno de São Paulo são óbvias.

Autorização para a construção dos próximos trechos (norte, leste e sul) do Rodoanel está, no momento, sob análise da Secretaria do Meio Ambiente do Estado (SMA) e será submetida no estágio final ao Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema). Este conselho é amplamente representativo do Estado e da sociedade e tem competência e legitimidade para fazê-lo no que diz respeito a questões envolvendo o meio ambiente. Como parte do processo de análise, realizam-se audiências públicas em que a população dos diversos municípios é convidada a exprimir suas opiniões sobre o projeto. Essas audiências foram previstas pela Resolução Conama 01/1986, incorporadas pela Constituição federal de 1988, e se destinam a criar um espaço para a população se manifestar diretamente, a exemplo do que faziam os gregos 2.400 anos atrás, quando se reuniam na ágora, a praça principal em Atenas, para decidir sobre guerra e paz e outras questões menores. Audiências públicas podem ser úteis para levantar novas idéias ou até evitar que influências indevidas se exerçam sobre os órgãos de decisão. Sua finalidade, todavia, é ampliar e estimular o debate, não cerceá-lo, e apresentar sugestões que aperfeiçoem o projeto original.

Um desses aperfeiçoamentos, que resultou de discussões entre as Secretarias do Meio Ambiente e dos Transportes, foi mudar o traçado do trecho norte, que será objeto de novos estudos, de modo a gerar alternativas que preservem a Serra da Cantareira, velha aspiração dos ambientalistas.

Apesar disso, diversos grupos têm tentado impedir que as audiências se realizem, alegando diversas razões menores, como a inadequação dos locais onde elas se realizam, ausência de transporte fácil, falhas nas convocações, horários noturnos inadequadas e outros. Representantes desses grupos e procuradores da República têm pedido à Justiça que suspenda as audiências e tiveram sucesso nesses pleitos em quatro audiências públicas sobre o Rodoanel.

Perturbar e adiar audiências públicas se tornou, por isso, uma arma nas mãos dos que se opõem, por razões políticas e não necessariamente ambientais, ao Rodoanel. Esperemos que nas novas audiências, que deverão reiniciar-se brevemente, essas perturbações não se tornem a repetir.

José Goldemberg é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo