O poder da leitura

Correio Popular - Opinião - Campinas - Quarta-feira, 10 de novembro de 2004

qua, 10/11/2004 - 9h09 | Do Portal do Governo

Após inaugurar mais uma biblioteca das dezenas que temos instalado em cidades do Interior de São Paulo e na Capital

Claudia Costin

Após inaugurar mais uma biblioteca das dezenas que temos instalado em cidades do Interior de São Paulo e na Capital, fui abordada por um garoto de uns oito anos de idade que se apoiou no vidro do carro e perguntou: “Tia, tem uma bala aí?”. Pensei e respondi: “Não tenho bala, mas vou lhe dar uma coisa muito melhor. Se você atravessar a rua, logo ali, encontrará uma biblioteca e poderá escolher um dentre os vários livros infantis que ela possui. Você pode levá-lo para casa, ler e depois devolve-lo”. Ele olhou para mim desconfiado e disse: “Mentira, você acha que vão me deixar levar para casa?”. Insisti que fosse ver. E o garoto, um pouco incrédulo, mas animado, correu para o outro lado da rua com o desejo de escolher o seu livro, encantado pela proposta.

O episódio me fez refletir sobre como podemos incentivar crianças e jovens a encontrar na leitura um encantamento. Essa é uma tarefa que pode ser realizada por adultos e, principalmente, por quem tem a missão de educá-los, os professores. No entanto, a realidade em que vivemos não é bem essa. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Paulo Montenegro no ano de 2001 mostra que apenas 26% dos adultos são capazes de ler e entender um livro. Outra pesquisa, de resultados ainda mais desanimadores, da Confederação dos Trabalhadores em Educação, relata que 60% dos professores do País não têm o hábito da leitura.

O Brasil também obteve uma classificação muito ruim na recente avaliação de qualidade da Educação do Saeb (2003). A média de desempenho dos estudantes de 4ª série, em leitura e interpretação de textos foi de 169,4 pontos – número que indica uma melhora em relação a 2001. Entretanto, a média mínima satisfatória para quatro anos de escolarização é de 200 pontos. Os especialistas são unânimes em afirmar que esta triste performance se deve ao fato de que nossa juventude não tem o hábito de ler por prazer.

Os meios de comunicação de massa certamente cooperam com tal realidade. A televisão brasileira tem tirado não só crianças e jovens da possibilidade do uso do tempo livre para leitura, como suas mães, que tiveram outrora o papel de ler em voz alta para crianças pequenas e despertar o interesse para relatos dissociados de imagens.

Da mesma forma, muitos professores não familiarizados com o universo dos livros, mas especializados em ensinar Português e Literatura, tendem a reforçar a visão de que leitura e prazer são mutuamente excludentes.

Há um certo consenso de que leitores surgem de famílias que lêem regularmente ou de um trabalho competente em salas de aula. Por isso é essencial que nossos professores sejam qualificados para que adquiram a paixão pela leitura e transmitam esse encantamento às nossas crianças. Como especialista em políticas públicas e ocupando o posto de Secretária da Cultura do Estado de São Paulo, pude olhar para a política cultural como a ação do Estado frente às necessidades da população, estruturada por faixa etária. Desta maneira, formatamos, em parceria com a Secretária Estadual da Educação, programas voltados ao aprimoramento dos educadores. As ações vão de cursos centrados no acervo da Pinacoteca, passa por ensaios abertos da OSESP, até peças de teatro encenadas ou apresentação de poesias para professores. Espera-se, assim, além de ajudar na formação desses profissionais mais aptos a entender a contemporaneidade em suas múltiplas expressões, permitir que possam ser um instrumento de encantamento para seus alunos.

Um jovem que não lê, não perde apenas a oportunidade de se encantar. Além da perda do prazer estético e do entretenimento, não tem acesso a informações vitais para constituir-se em cidadão independente e participante e torna-se apto a ser constantemente manipulado. A leitura pode proporcionar a autonomia necessária ao verdadeiro exercício da cidadania.

Claudia Costin é secretária de Estado da Cultura. Foi Ministra Federal da Administração Pública e Reforma do Estado (gestão Fernando Henrique Cardoso)