O pão da esperança na Ilha do Bororé

Jornal da Tarde - Quarta-feira, 5 de maio de 2004

qua, 05/05/2004 - 9h40 | Do Portal do Governo

O programa Padarias Artesanais, do Fundo Social de Solidariedade, começa a dar os primeiros frutos à comunidade mais distante do centro da cidade, onde falta de tudo

Gilberto Amendola

São 3 mil habitantes e 90% estão desempregados. Estima-se que mais de 50% da população nunca tenha pisado numa escola. A polícia demora, pelo menos, 30 minutos para chegar. Os bombeiros e as ambulâncias também. Lá, muitas crianças morrem por falta de oxigênio no cérebro, causada por alimentação deficiente.

No meio de tantas adversidades, um programa começa a trazer esperança aos moradores da Ilha do Bororé, no extremo sul da cidade: as ‘Padarias Artesanais’. O primeiro benefício foi do programa, implantado em abril, foi levar a primeira-dama do Estado, Lu Alckmin, à região.

‘A gente sempre aprende alguma coisa visitando um lugar como esse’, disse dona Lu. ‘Não sou de ficar trancada no gabinete. Gosto de visitar a periferia e as favelas da cidade.’ Na Ilha do Bororé (na verdade um braço da península da Represa Billings, no limite de São Paulo com São Bernardo do Campo), ela foi recebida por mais de 50 pessoas. Todas ansiosas para ‘dar uma palavrinha’ com a primeira-dama.

‘Precisamos de uma creche aqui na região’, disse Eugênia Sabino Gomes, 46 anos. ‘Queremos um supletivo noturno para nossos jovens terminarem os estudos’, afirmou Oronília Maria da Silva Rosa, 54 anos. ‘Nossas crianças também não podem estudar porque não temos dinheiro para o material escolar’, completou Sebastiana Senni Domingues, de 62 anos.

Só a líder comunitária Antônia Batista Santos, 46 anos, conhecida como Dona Zinha, conseguiu colocar ordem na visita. Zinha controlou o ímpeto dos presentes e organizou as reclamações. ‘Sou uma mulher do povo. Estou onde precisam de mim. Eles confiam em mim’, afirmou.

Com mais calma, Lu Alckmin conseguiu conhecer os resultados da padaria artesanal, instalada na sede da Associação dos Moradores da Ilha do Bororé. Dona Zinha exibiu os pães recheados, as broas e rosquinhas produzidas pela comunidade. ‘Esse é o fruto do nosso trabalho. Tenho 150 famílias cadastradas e recebendo os pães gratuitamente’, contou.

A associação produz 450 pães por dia. Desse total, 150 são doados. O restante é vendido por 10 centavos a unidade. ‘Temos que vender para comprar farinha de trigo, óleo, ovos e pagar o gás’, contou. Ela e outras 4 voluntárias acordam todos os dias às 4 da manhã para produzir os pães.

No final da visita, Lu e Zinha se abraçaram emocionadas. A presidente do Fundo Social ressaltou a importância das líderes comunitárias. ‘Essas mulheres são muito fortes. Se elas não existissem, não haveria projeto nenhum’, disse.

Perguntada sobre o que tinha aprendido na visita a Ilha do Bororé, Lu Alckmin respondeu: ‘Aprendi que com muito pouco, somos capazes de fazer muita coisa. A padaria artesanal é um exemplo disso. É pouco, mas já é um começo. Estamos devolvendo a auto-estima desta gente’.

Projeto auxilia mais de 1,7 mil entidades na Capital

A líder comunitária Maria de Lourdes Santos da Silva diz só ter motivos para comemorar: ‘Depois que a padaria artesanal chegou à minha comunidade, estamos conseguindo alimentar cerca de 380 crianças’. Ela trabalha com a população carente do Jardim Princesa, na Zona Norte.

Lourdes garante que, graças à padaria, sua comunidade pode ser chamada de ‘rica’. ‘Nós também vendemos os pães que produzimos e usamos o dinheiro para investir na própria comunidade’, disse.

O programa de Padarias Artesanais faz parte do Plano de Geração de Emprego e Renda do Fundo Social de Solidariedade do Estado de São Paulo (Fussesp). O projeto consiste na produção de pães por processos caseiros, sem a utilização de equipamentos especiais ou conservantes.

Os kits de padaria, compostos por forno, batedeira, liquidificador, balança, assadeiras e botijão de gás, são captados pelo fundo junto à iniciativa privada e distribuídos a entidades e associações cadastradas.

Pena alternativa fazendo pão

Já foram distribuídos mais de 4 mil kits a 1,7 mil entidades cadastradas na Capital e 645 municípios do Interior. O empresário que quiser ajudar o Fundo Social, adquirindo um kit padaria, pode ligar para o telefone (0xx11) 3874-6952. O custo unitário de um kit não ultrapassa os R$ 1,2 mil.

O Juiz da 12ª Vara Criminal, Ruy Alberto Leme Cavalheiro, já encaminhou nove condenados para cumprir pena alternativa por meio do projeto das padarias artesanais.

Os infratores podem, por exemplo, pagar suas multas comprando farinha de trigo para alguma associação atendida pelo projeto. ‘Acredito que essa é a forma mais adequada para punir as infrações menores. Acho que o mais importante é o caráter educativo da pena’, disse Cavalheiro.

A primeira-dama do Estado, Lu Alckmin, tem feito palestras para juízes sobre a importância desse tipo de pena para a manutenção do trabalho comunitário e acredita que bons resultados virão.