O novo vestibular da USP

O Estado de S.Paulo - Segunda-feira, 14 de abril de 2008

seg, 14/04/2008 - 8h44 | Do Portal do Governo

O Estado de S.Paulo

Dois anos depois de ter criado o Inclusp, um programa destinado a aumentar o número de estudantes oriundos de escolas públicas em seu corpo discente, a Universidade de São Paulo (USP) decidiu aprofundar essa política. Concebido como uma alternativa ao polêmico sistema de cotas adotado pelas universidades federais, o programa de inclusão social da USP concede bônus de 3% aos vestibulandos egressos da rede escolar pública de ensino médio.

Assim, em vez de reservar uma parte das vagas disputadas nos vestibulares a estudantes negros e pobres, o Inclusp atribui pontos aos vestibulandos vindos de escolas municipais, estaduais ou federais, sem distinção de renda ou de cor. A medida beneficiou os alunos mais preparados da rede pública. As avaliações internas da USP mostram que eles não só chegaram com preparo suficiente para acompanhar as aulas, como também obtiveram o mesmo desempenho que os colegas oriundos da rede particular, nos cursos de ciências humanas e ciências biológicas. Em alguns cursos na área de ciências exatas, os calouros egressos da rede pública obtiveram 2,2 pontos a mais, na média, do que os vindos da rede particular.

Animada com o resultado, a USP decidiu ampliar ainda mais o número de estudantes oriundos da rede pública, em seu corpo discente. (Atualmente, 75% dos alunos da instituição vêm de colégios privados.) A universidade elevou de 3% para até 12% o bônus concedido aos vestibulandos originários de escolas públicas, valorizando as notas por eles obtidas nas três séries do ensino médio e no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Além disso, a USP pretende promover uma avaliação periódica da rede escolar pública paulista. A idéia é aplicar este ano uma prova para os 380 mil alunos da 3ª série das escolas públicas e conceder bônus para quem for bem avaliado. Nos próximos dois anos, a instituição pretende estender essa prova para as duas outras séries. No total, a rede escolar pública de ensino médio do Estado de São Paulo tem 1,5 milhão de estudantes.

Mas, se a reformulação do Inclusp foi bem recebida nos meios universitários, a iniciativa da USP de criar uma prova adicional causou estranheza, uma vez que esse tipo de avaliação já é promovido pelo Enem – um bem-sucedido programa criado pelo governo federal há dez anos. Pelo novo processo seletivo da USP, o teste será elaborado com base nos Parâmetros Curriculares Nacionais, e a logística e o custo do Programa de Avaliação Seriada da USP ficarão a cargo da Secretaria de Educação. E, como já ocorre no Enem, o exame será voluntário, com a possibilidade de adesão tanto dos alunos quanto das escolas.

Entre os especialistas em pedagogia, há quem questione a aplicação de dois testes redundantes, um patrocinado pelo governo federal e outro de responsabilidade da USP. Há também quem receie um abrandamento do rigor do processo seletivo da instituição, pois as provas elaboradas pela Fuvest exigem conhecimentos mais profundos do que os previstos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais. “São medidas paliativas e conservadoras”, diz Gilberto Alvarez, diretor do Cursinho da Poli, que atende principalmente os alunos de escolas públicas. A aplicação de um teste semelhante ao Enem também pode desviar recursos do orçamento do ensino médio, “que está abandonado, com alta evasão e necessidade de revisão de currículo”, afirma Marcia Sigrist, da Unicamp. As mudanças promovidas pela USP “não podem encobrir o que o Estado não está fazendo nas escolas públicas de todo o ensino básico para que esses alunos possam almejar estudar numa instituição como a USP”, conclui.

Em resposta às críticas, a pró-reitora de graduação Selma Garrido Pimenta enfatizou o bom desempenho dos universitários beneficiados pelo Inclusp e disse que as mudanças no processo seletivo têm por objetivo “contribuir com a escola pública e reverter uma cultura de auto-exclusão desses alunos”.

Seja como for, a direção da USP terá de redobrar cuidados para que essas mudanças não resultem num processo de “facilitação” do acesso à maior e mais importante universidade brasileira, comprometendo os dois princípios basilares que a caracterizam em seus 74 anos de existência: a ênfase na qualidade do ensino e o respeito à meritocracia.