O dia em que o pai virou herói

Jornal da Tarde - Sexta-feira, 6 de fevereiro de 2004

sex, 06/02/2004 - 10h13 | Do Portal do Governo

Fã dos super-heróis dos filmes e desenhos animados, o pequeno Daniel, de 4 anos, explodiu de alegria ao ver o pai, o investigador Nélson Gomes, salvando João Vítor da enchente. Orgulhoso, ele queria mostrar a cena do resgate pra todo mundo

RITA MAGALHÃES

Não era o Homem-Aranha nem o Batman. O herói na TV salvando o pequeno João Victor das águas do Aricanduva era de verdade. ‘É o meu pai que está salvando a criancinha!’, gritou Daniel de Souza Gomes ao ver o pai, o investigador Nélson Henrique Gomes, de 36 anos, na operação de salvamento.

Daniel estava na Prefeitura de Guarulhos, onde a mãe Raquel trabalha, quando viu o pai na TV. ‘Ele ficou superfeliz. Queria contar para todo mundo que o herói da história era o pai dele’, conta Raquel.

O orgulho que Daniel tem do pai – tripulante há 5 anos do Serviço Aerotático da Polícia Civil – pode ser observado nos brinquedos, roupas e até nos sonhos do garoto.

Com 4 anos, a mesma idade de João Victor, ele sonha em ser policial. Seus brinquedos preferidos são helicópteros e carros de bombeiro. ‘Quero ser polícia do bem.’ Ontem, ele vestiu uma camisa camuflada para esperar o JT.

‘É minha roupa de guerra’, conta.

O investigador Nélson Gomes é um dos tripulantes do Pelicano 4, que mesmo sem ser acionado, foi auxiliar equipes do Grupamento de Radiopatrulha Aéreo da PM, nos salvamentos anteontem à tarde na região do Córrego Aricanduva.

A equipe, comandada pelo delegado e piloto Roberto Bayerlein, tinha acabado de participar de uma ocorrência policial na Zona Leste quando passou pela região e viu pessoas ilhadas pela enxurrada.

Ao ver uma pessoa abanar a mão pedindo socorro, Bayerlein não hesitou. Com a ajuda dos tripulantes Nélson e Louriel Malta de Freitas, 31 anos, desceu no meio de um emaranhado de fios para salvar João Victor e a mãe, Rosária.

Louriel foi o primeiro a pular do helicóptero para resgatar João Victor. O menino tremia e chorava agarrado à mãe sobre um muro nos fundos da casa.

‘Não havia equilíbrio ali. Então coloquei o garoto sobre o telhado, que estava escorregadio por causa da umidade e do limo, e o orientei a ir deslizando para perto da aeronave.’

Quando se aproximaram da aeronave, Louriel ainda tentou vestir o fraldão em João Victor par içá-lo, mas não conseguiu porque o equipamento era incompatível com o tamanho da criança.

Observando a dificuldade do colega, Nélson pulou da aeronave e segurando num cabo, desceu pelo teto escorregadio. ‘Eu olhei bem nos olhos deles e falei:
‘abraça o tio bem forte que nós vamos passear’. E ele obedeceu’, conta o policial.

Depois de amarrar a criança no banco, Nélson e Louriel ajudaram Rosária a entrar na aeronave e voaram para um ponto seguro. Acostumados a atuar em perseguições a bandidos, os quatro policiais – Bayerlein, Nélson, Louriel e o co-piloto Cássio Paulino de Camargo – foram unânimes em dizer que a operação foi uma das mais emocionantes de que já participaram.

Treinamento e muita dedicação

Não foi só Daniel que ficou orgulhoso da atuação dos policiais civis e militares durante a operação que salvou 44 vidas das enchentes. Na manhã de ontem, o secretário da Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho, foi até à base do Grupamento de Radiopatrulha Aéreo da PM parabenizar os heróis do Aricanduva.

‘Estou orgulhoso do desempenho dos policiais. É uma mostra de que a Polícia de São Paulo não trabalha com improviso. A perícia e habilidade de todos os que participaram da operação são resultados de muito treinamento e investimento’, disse Abreu Filho.

Trabalhar no policiamento aéreo exige do policial civil ou militar muita disciplina, treinamento constante e controle do peso. Inicialmente, os interessados são submetidos a um concurso interno para ocupar a vaga.

Os aprovados são submetidos a rigorosos testes físicos e psicológicos e, por último, fazem um curso intensivo de 45 dias que inclui rapel, embarque e desembarque da aeronave e exercícios de equilíbrio. Aos pilotos ainda são exigidas pelo menos 800 horas de vôo e cerca de quatro anos de estudo.

Questionado se os policiais serão condecorados pela atuação, Abreu Filho foi incisivo. ‘As medalhas não dependem de um só ato. Elas são fruto da análise de um conjunto de fatores. Eu não quero criar super-heróis. Não quero nenhum Romário na polícia. Aqui todos têm o mesmo grau de importância. Desde o mecânico da aeronave, até o piloto e os tripulantes que içam as vítimas. O sucesso é da equipe, do grupo.’

Hoje, as polícias da capital contam com 15 aeronaves para as situações graves e de emergências. A Polícia Militar, que atende além das ocorrências policiais as de socorro médico e resgate em montanha, mar, ou selva, tem 12 helicópteros Esquilo. A Polícia Civil, especializada nas ocorrências policiais, tem três.

De acordo com o major Emílio Luiz Santana Panhosa, o Grupamento Aéreo da PM atende a uma média de seis chamados diários. A maioria delas é para resgate de vítimas de acidente. ‘Fazemos também remoção de órgãos para transplantes’, diz o secretário.

Nas duas operações de salvamento de vítimas de enchente, os helicópteros Águia da PM fizeram dez horas de vôo, a um custo total de US$ 4.500 (R$ 13 mil).