O desafio da inovação científica

O Estado de São Paulo - Terça-feira, dia 23 de maio de 2006

ter, 23/05/2006 - 15h06 | Do Portal do Governo

Após liderar durante duas décadas e meia o ranking de pedidos de patentes feitos ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), a Petrobrás perdeu a posição para a Unicamp. Entre 1999 e 2003, a segunda maior universidade pública paulista encaminhou 191 pedidos, contra 171 formulados pela Petrobrás. Na lista de inovações produzidas pela Unicamp destacam-se, entre outras, um sistema de nanopartículas utilizado para o combate a células cancerígenas sem atingir células sadias, produtos de plástico biodegradável concebidos a partir de amido de milho e o feijão integral instantâneo .

O que levou a Petrobrás a liderar o ranking de pedidos de patentes durante muito tempo foram os investimentos por ela realizados após os choques de petróleo de 1973 e 1979. Obrigada a investir em atividades de prospecção e perfuração de poços nas águas profundas da Bacia de Campos, na construção de extensos dutos para distribuição de gás e no transporte de óleo bruto do mar para as refinarias, com o objetivo de assegurar a auto-suficiência do País em energia, a empresa teve grande êxito no desenvolvimento de tecnologia de ponta, convertendo-se na maior depositante de patentes no INPI, durante as décadas de 80 e 90.

No caso da Unicamp, que está situada numa das maiores e mais modernas regiões industriais do País, o sucesso obtido após 1999 se deve a dois fatores. O primeiro foi a definição de linhas de pesquisa com base nas necessidades da iniciativa privada e em parcerias com a área social do poder público. Uma das unidades da instituição mais conhecidas nos meios acadêmicos internacionais é a Faculdade de Engenharia de Alimentos, um dos principais pólos inovadores da Unicamp.

Graças a uma investigação de cinco anos dirigida por um professor de origem coreana, Yong Park, a Faculdade de Engenharia de Alimentos acaba de desenvolver a fórmula de um medicamento fitoterápico para reposição hormonal durante a menopausa. Licenciado por um laboratório farmacêutico do Paraná e prestes a ser lançado no mercado, o remédio é indicado para a prevenção da osteoporose e tratamento da diabete.

O segundo fator foi a criação de uma Incubadora de Empresas de Base Tecnológica (Incamp), em 2001, para estimular os doutores formados pela Unicamp a se lançarem na iniciativa privada, e de uma Agência de Inovação (Inova), em 2003. A idéia é levar os alunos egressos da pós-graduação a montarem seus próprios negócios. Criada há pouco mais de um ano por um engenheiro eletricista graduado pela Unicamp, uma das empresas montadas com auxílio da entidade tem hoje 18 funcionários, entre colaboradores e estagiários da universidade. Atuando no setor de softwares para o reconhecimento de impressões digitais, ela está abrindo uma filial em San José, nos Estados Unidos.

No ranking de pedidos de patentes do INPI, destacam-se ainda duas outras importantes universidades públicas, a USP e a Universidade Federal de Minas Gerais. Entre as empresas privadas de capital nacional, a melhor colocada é uma fabricante gaúcha de implementos agrícolas, que depositou 100 pedidos, entre 1999 e 2003.

Ao elogiar o desempenho da Unicamp, especialistas em tecnologia lamentam que o número de empresas privadas brasileiras no ranking não seja maior. “Faltam políticas de longo prazo para estimular as atividades de pesquisa e desenvolvimento nas empresas”, afirma a diretora do INPI, Maria Beatriz Páscoa. Nas economias emergentes da Ásia, por exemplo, a maior parte das patentes não vem dos meios acadêmicos, mas da iniciativa privada. A Coréia do Sul tem 39% de seus doutores trabalhando em empresas. No Brasil, 83% dos doutores pesquisam em universidades, após a pós-graduação. “Nossa participação na produção científica mundial cresceu muito, mas na área tecnológica temos muito a avançar”, conclui Maria Beatriz.

Para que isso ocorra, não basta abrir linhas de crédito. Também é preciso formular políticas que estimulem as empresas a inovar e modernizar a legislação para proteger a propriedade intelectual.