O consumidor e os juros

Folha de S. Paulo - Tendências/Debates - Quinta-feira, 28 de abril de 2005

qui, 28/04/2005 - 9h33 | Do Portal do Governo

ALEXANDRE DE MORAES

No lançamento do Programa Nacional do Microcrédito Orientado, segunda-feira, tentou-se dividir com o consumidor, de forma infeliz, a responsabilidade pelos altos juros adotados pelo sistema bancário nacional.

Claro que toda ação de estímulo à participação da sociedade na defesa ativa de seus interesses deve ser incentivada, mas hoje, no Brasil, o problema do custo do dinheiro não está na diferença entre as taxas e tarifas praticadas pelos bancos, mas nos níveis estratosféricos em que todas se encontram.

Há 11 anos, a Fundação Procon, órgão da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, realiza em São Paulo uma pesquisa mensal sobre as taxas do cheque especial e as tarifas bancárias. Em abril, por exemplo, o estudo revelou uma pequena diferença, de meio ponto percentual, entre a menor e a maior taxa cobrada sobre o saldo do cheque especial -7,9% e 8,4%, respectivamente.

Uma rápida olhada nos dois índices deixa claro que o problema não reside na possível falta de interesse do consumidor em pesquisar onde vai pagar menos pelo empréstimo ou pelo cheque especial. O problema real e concreto é que, qualquer que seja sua escolha, ele vai desembolsar pelo menos 150% no final do ano, e contra isso sua capacidade de ação é nula, simplesmente porque não tem poder de interferir na política de juros do governo federal.

A mesma pesquisa confirma o que ao cidadão já é óbvio: as taxas cobradas pelos bancos crescem na mesma proporção em que aumenta a taxa Selic. Como o governo vem aumentando a taxa básica dos juros, ininterruptamente, desde setembro de 2004, não é coincidência que o custo do dinheiro dos bancos não pare de aumentar. Nesse processo, o consumidor que precisa dos serviços bancários é vítima indefesa, e não um comodista.

O consumidor brasileiro é bem informado e sabe que o custo do dinheiro não pode ser medido apenas pelas taxas cobradas. As tarifas também são um importante componente na definição da política de preços de cada instituição. Há bancos que reduzem o custo de suas cestas para clientes de perfil específico, que têm saldos médios mais altos ou maior volume de recursos investido em seus fundos. Além disso, as tarifas cobradas em pacotes são mais baixas do que as avulsas, o que estimula o correntista a manter seu dinheiro num único banco.

E não é só. Nem sempre o consumidor pode simplesmente ‘trocar’ de banco. Muitas vezes ele não tem opção, porque o pagamento de seu salário está atrelado a uma instituição determinada. A isso se acrescente que, além de aborrecimentos burocráticos, há cobrança de tarifas na abertura da conta, como a emissão do cartão magnético da nova instituição contratada, por exemplo; e, no final, sempre estará sofrendo a carga de mais de 150% de juros ao ano pela utilização do cheque especial.
Por todas essas razões, o dinheiro pode ser mais barato para um determinado correntista, mesmo se o banco cobra taxas de juros maiores.

Aconselhar o correntista simplesmente a transferir dinheiro de um banco a outro, considerando apenas a taxa de juros praticada, pode levar a perdas maiores do que o ganho pretendido com a mudança, pois abrir e manter várias contas implica pagar tarifas para cada uma delas.

O Procon tem multiplicado suas ações voltadas à orientação e prevenção do consumidor em suas relações com o sistema financeiro. Além do atendimento direto, o órgão promove cursos e palestras e produz material informativo sobre o tema. A desinformação, como se nota, é o maior vilão dessa história. Hoje, cidadãos de todas as faixas de renda, inclusive as mais baixas, podem ter acesso ao crédito, mas pesquisa da fundação realizada em 2004 revela que, muitas vezes, o consumidor não tem conhecimento do real funcionamento dos cartões de crédito e dos cheques especiais e acaba entrando na bola de neve dos juros rotativos, o que agrava seu endividamento.

Dessa forma, o consumidor tem consciência de seu papel fundamental na administração de seus recursos, que não se esgota na pesquisa das tarifas e taxas bancárias, mas na avaliação real da necessidade de utilização do cheque especial ou do empréstimo pessoal bem como o uso do cartão de crédito. Muitas vezes a falta de planejamento do orçamento doméstico leva ao endividamento e, conseqüentemente, à incorreta utilização dos serviços de crédito, como se este fosse um segundo salário.

Nos últimos anos foi grande o amadurecimento do brasileiro em suas relações de consumo, incluídas aí as transações bancárias. O consumidor não se conforma com abusos. Pesquisa, reclama, pechincha e até fecha sua conta corrente. Mas nada disso é capaz de vencer os efeitos perversos provocados pelas altas taxas de juros, cuja responsabilidade não pode ser transferida à sociedade.


Alexandre de Moraes, 36, é o secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo e presidente do Conselho Curador da Fundação Procon-SP.