O centenário da Pinacoteca

Folha de S. Paulo - Tendências/Debates - Quarta-feira, 18 de maio de 2005

qua, 18/05/2005 - 9h54 | Do Portal do Governo

Marcelo Mattos Araújo

Hoje, dia 18 de maio, os museus de todo o mundo comemoram o Dia Internacional dos Museus. Instituído em 1977, pelo Conselho Internacional de Museus (Icom), este evento anual possibilita evidenciar programas desenvolvidos pelos museus por meio de diferentes atividades e discussões. Neste ano de 2005, um aniversário marca também o cenário museológico brasileiro, e o Dia Internacional dos Museus é certamente a data apropriada para sua evocação: o primeiro centenário da Pinacoteca do Estado de São Paulo, o mais antigo museu de arte da cidade, criado pelo governo do Estado em 1905.

Ao longo dos seus cem anos de existência, a Pinacoteca do Estado testemunhou e acompanhou uma mudança radical no perfil de atuação dos museus de arte. De um espaço de visitação restrito a especialistas, transformou-se em espaço de inclusão, recebendo os mais diferentes segmentos da sociedade. Da apresentação de uma única e imutável exposição, evoluiu para um programa de mostras temporárias sobre as mais variadas questões de arte e da cultura, associado a mostra de longa duração com trabalhos de seu acervo. De um corpo funcional composto por um conservador, como estipulava seu regulamento de 1911, passou a contar com um quadro com mais de 50 técnicos e cerca de cem funcionários, todos da maior qualificação.

Incorporou em suas estratégias de comunicação a linguagem virtual e a televisão, o marketing e a propaganda. Redimensionou sua relação com a escola formal, conquistando um papel de aliança e complementaridade. No lugar do trabalho amador, ainda que dedicado, colocou a museologia, a história da arte e a educação como referenciais para a proposição e implementação de suas políticas. De uma iniciativa isolada do Estado, constituiu-se em ação articuladora das esferas públicas e privadas.

Ao longo destes cem anos de atividades, o balanço de realizações da Pinacoteca do Estado é significativo: um acervo de cerca de 6.000 obras, em diversas técnicas, de autoria de mais de mil artistas diferentes, que oferece uma abrangente visão da arte brasileira dos séculos 19 e 20; alguns milhões de visitantes (mais de 1 milhão somente nos três últimos anos); dois prédios com área total de mais de 20 mil m2, ambos projetados por Ramos de Azevedo, apresentando instalações técnicas adequadas -o centenário edifício da Luz, onde foi criada, restaurado por Paulo Mendes da Rocha, e, mais recentemente, o antigo prédio do Deops, atual Estação Pinacoteca, restaurado segundo projeto de Haron Cohen-; publicações que se constituem em referência básica da história de nossas artes visuais; centenas de exposições que revelaram e consagraram criadores e produções as mais distintas; conhecimento e experiência consolidados em todas as áreas de atuação do campo museológico, da conservação e restauro à educação para públicos especiais.

Para além desses indicadores concretos, há todo um universo de emoções, indescritível e impossível de ser dimensionado. Pequenas descobertas, grandes sensações, revelações, lembranças, alegrias, encontros… A grande responsabilidade social do museu de arte na atualidade é a educação do olhar, a sensibilização do espírito, condições necessárias para o exercício da cidadania. Mas a grande tarefa do museu contemporâneo, nesta era virtual, é ainda, e antes de mais nada, a reafirmação da individualidade, do espiritual, do homem como agente criador, único e insubstituível.

Para enfrentar esses desafios, a Pinacoteca do Estado contou, ao longo deste século, com a dedicação de gerações de funcionários e diretores e com a contribuição de milhares de pessoas.

Os desafios prosseguem ainda maiores e, para marcar as comemorações do seu primeiro centenário -uma densa e ambiciosa programação com dezenas de exposições, publicações e eventos, que teve início com a mostra de Henry Moore e se estenderá até o próximo ano-, nosso museu necessitará de muitas e preciosas colaborações.

A Assembléia Legislativa do Estado, graças a uma feliz iniciativa do deputado Arnaldo Jardim, já destinou dotação orçamentária para as comemorações do centenário no atual Orçamento. Uma comissão de honra dessas comemorações, presidida pelo governador Geraldo Alckmin, está sendo formada, reunindo personalidades e empresários que apóiam nossas atividades. A generosidade de colecionadores e artistas, tão fundamental para a formação de nosso acervo de obras de arte, certamente não nos faltará.

A conjunção de todos esses esforços permitirá à Pinacoteca, uma unidade da Secretaria de Estado da Cultura, prosseguir com êxito em sua tarefa de preservar, divulgar e incentivar a arte brasileira. A responsabilidade pelo sucesso é da população de São Paulo.

Marcelo Mattos Araújo, 48, museólogo, professor do curso de especialização em museologia do MAE-USP, é diretor da Pinacoteca do Estado de São Paulo.