O Cavaleiro da Rosa em versão de concerto

O Estado de S. Paulo

qui, 10/09/2009 - 7h57 | Do Portal do Governo

A marechala Marie Therese von Werdenberg nos visitou meio século atrás. O Cavaleiro da Rosa de Richard Strauss teve uma única récita no Teatro Municipal, em 11 de agosto de 1959, durante a excursão de uma companhia alemã. Antes disso, São Paulo o ouvira em 1915, cantado em italiano, com Rosa Raissa e Gilda Dalla Rizza. Em versão de concerto, Der Rosenkavalier, que estreou ontem, será apresentado amanhã e domingo na Sala São Paulo, sob a regência do maestro inglês Sir Richard Armstrong.

Falando ao Estado, o diretor de ópera André Heller discutiu o formato de “concerto cênico” que deu ao espetáculo – uma experiência que teve, pela primeira vez, ao dirigir dessa maneira, em 2004, no Covent Garden de Londres, a ópera Der Kaiser von Atlantis, de Viktor Ullmann: “Ela me abriu os olhos para as possibilidades do “concerto cênico”, que permite a (re)descoberta de certas óperas, em especial das que têm construção musical muito refinada, oferecendo ênfase maior à atuação cênica dos cantores. Obviamente, existe uma condição básica para o bom funcionamento desse formato: o encontro de grandes artistas com uma grande orquestra.”

Esse parece ser, na opinião de André Heller, o caso do Rosenkavalier que a Osesp apresenta pois, ao lado de Anne Schwanewilm, cuja interpretação da Marechala vem sendo aclamada internacionalmente, estão Kristine Jepson (Octavian) e o baixo Franz Hawlata, familiar para aqueles que conhecem o DVD do Capriccio, de Richard Strauss, montado no Palais Garnier, de Paris, com René Fleming: ali, ele faz o papel de Rocher, o empresário. Hawlata é, de resto, um experimentado intérprete do barão Ochs: ele o cantou, ao lado de René Fleming, numa montagem do Metropolitan de NY. Heller assinala também a presença no elenco de “ótimos solistas nacionais, Rodrigo Esteves e Denise de Freitas, com os quais é sempre um prazer trabalhar”.

Heller tem consciência de que “ópera é uma “forma de arte total” diferente do teatro e do concerto sinfônico: a cena é parte fundamental e, essenciais, nesse pacote, são os cenários e figurinos”. “Ninguém aqui está dizendo que um “concerto cênico” é melhor do que fazer a ópera montada mas, ao mesmo tempo, é engano pensar que esta é uma versão “econômica”: basta ver o elenco “estelar” reunido.”

Ele admite não saber se as óperas de Puccini ou dos veristas, certos títulos de Verdi ou do repertório de belcanto se prestariam ao “concerto cênico” como, por exemplo Der Zwerg (O Anão), de Alexander Zemlinsky, que foi convidado a fazer, em dezembro, no Rio, com a Orquestra da Petrobrás e o maestro Isaac Karabtchevsky – o mesmo que regeu a versão em concerto do Falstaff, de Verdi, apresentada pela Osesp, com a adaptação cênica de Heller. No caso de Der Rosenkavalier, diz: “Estou certo de que o formato é propício à obra, mesmo em momentos de grande movimentação cênica, como o do despertar da Marechala, no primeiro ato, ou toda a pantomima e confusão perto do final do terceiro ato, na taberna onde Octavian, travestido de empregada, prepara uma armadilha para o barão Ochs.”

Heller diz que “a encenação é reduzida ao essencial: a interpretação dos atores-cantores e alguns objetos de cena”. E acrescenta: “A fórmula do “concerto cênico” não limita a minha imaginação. De certa forma, libera o mesmo tipo de inspiração que tenho ao ouvir uma gravação em CD. Pensar esta ópera, tendo em mente que teria uma orquestra em cena, e que meu trabalho depende essencialmente de intenção, gesto e luz, tornou-se um desafio e uma descoberta. Por exemplo, sinto a ópera muito mais concentrada na figura da Marechala, que tudo vê, tudo percebe, e entende a movimentação do tempo e dos corações.”

Heller comenta: “Trata-se de uma visão mais melancólica da personagem, que talvez contraste bem com a grande humanidade e leveza que Anne Schwanewilms empresta ao papel.” O próprio Strauss, de resto, tinha visão clara dos limites que essa melancólica deve ter pois, ao assistir a um dos ensaios da ópera para a estreia no Scala, com o maestro Tullio Serafin, e ao observar o tom choroso que a soprano Agostini-Quirolli dava à interpretação da Marechala, pediu: “Por favor, digam a esta senhora que não precisa desesperar-se tanto. Marie Therese é uma grande dama que já teve alguns amantes antes de Octavian e, certamente, terá outros. Ela está melancólica, sim, mas é apenas um pouquinho, porque sente que está envelhecendo.”

Como na Ariadne em Naxos, também de Strauss, que André Heller dirigiu, no ano passado, no Teatro Municipal, ele “fala um pouco dessas imagens que habitam a mente da Marechala: os relógios, a engrenagens do tempo, etc…” E explica: “Já que o espaço permite, quero usar, nesse sentido, os recursos de vídeo, para criar uma espécie de cenário, de espaço que defina os momentos do dia em que cada ato se passa. Da mesma forma que tento mostrar como o tempo parece parar, na cena em que Octavian vai levar a Sophie a rosa de prata, símbolo de seu noivado com o barão Ocha, que justifica o título de Cavaleiro da Rosa dado à ópera. Por outro lado, num registro mais bem-humorado, trato a cena da bebedeira do barão, no final do segundo ato; ou toda a pantomima que é organizada por Octavian no terceiro.”

De um coisa, Heller, o maestro Armstrong e todo o elenco desse espetáculo podem ter certeza: não faltou quem presenciasse e avaliasse o resultado do trabalho na quarta. Os ingressos para essa execução, e para as de amanhã e domingo, do Rosenkavalier, que estavam esgotados há muito tempo, desmentem aqueles que ainda pensam que ópera é para a elite e não tem muito público entre nós.

Serviço 

Sala São Paulo (1.484 lugares.). Praça Júlio Prestes, s/n.º, 3223-3966. 6.ª, 20 h; dom.,16 h. R$ 30 a R$ 104