O baixo custo da inclusão social

Valor - 26/6/2002

qua, 26/06/2002 - 13h46 | Do Portal do Governo

‘O Banco do Povo Paulista é um importante programa de geração de emprego e renda.’
– Fernando Leça –

Algumas pesquisas recentes, promovidas por institutos altamente qualificados e de absoluta insuspeição em relação ao nosso país, apontam o brasileiro como um dos povos mais empreendedores do mundo. Uma dessas pesquisas, feita sob patrocínio do Kauffman Center Entrepreneurial Leadership, dos Estados Unidos, e desenvolvida em parceria pelo Babson College de Boston (EUA) e London Business School (Inglaterra), confere mesmo ao Brasil a posição de liderança nesse campo, entre os 21 países analisados. Um entre cada oito brasileiros tem o seu próprio negócio. Entre os americanos, considerados os campeões da livre iniciativa e do empreendedorismo, a relação é de um para 10, na Austrália de 1 para 12, na Alemanha de 1 para 25, na Inglaterra de 1 para 33, na Suécia de 1 para 50 e no Japão de 1 para 100.

Genuína vocação empreendedora ou mero voluntarismo, identificação de oportunidade real de mercado ou simplesmente o sonho de vencer na vida, o certo é que muitas dezenas de milhares de brasileiros depositam anualmente suas economias e esperanças num projeto de construção do futuro, chegando informal ou formalmente a um mercado que às vezes não conhecem adequadamente ou não dominam os fundamentos básicos de gestão ou ignoram algumas das especificidades do negócio que escolheram. Junte-se a isso a circunstância de um ambiente legal e creditício geralmente hostil e teremos a explicação para os elevados índices de mortalidade entre os novos pequenos negócios, 56% até o terceiro ano de vida, segundo o Sebrae. Explica-se também por essa conjugação de dificuldades e deficiências o fato de que para cada negócio formal tenhamos três empreendedores atuando na informalidade.

De toda maneira, acreditamos no espírito de empreendedorismo do brasileiro e precisamos incentivá-lo, porque está aí a alavanca mais poderosa de desenvolvimento sustentável do país e a alternativa mais eficaz de geração de emprego e renda. Mais de 67% da mão de obra é hoje ocupada nas micro e pequenas empresas e as melhores perspectivas de empregabilidade estão nesse segmento. Impõe-se, portanto, muita disposição e muita criatividade, para engendrarmos novas formas e oportunidades capazes de incrementar e potencializar os pequenos negócios, como fizeram outros países, entre eles a Itália, Estados Unidos e, mais recentemente a Espanha.

É nessa linha que se insere a experiência do Banco do Povo Paulista (BPP), programa de crédito produtivo popular que já está presente em mais de 195 municípios paulistas, com 45 milhões de Reais aplicados, totalizando 20 mil contratos, em valores que vão de 200 a 5 mil reais e, quando cooperativas, até 25 mil reais. É, certamente, o mais bem sucedido exemplo de programa de micro-crédito no Brasil, com essas características. Operando com juros de apenas 1% ao mês, com uma baixa inadimplência, que não chega a 2%, o Banco do Povo Paulista recebeu no ano passado o Prêmio Marketing Best na área social, da Fundação Getúlio Vargas, em cooperação com a Editora Referência e o Madial Mundo Marketing.

Há, entre os clientes do BPP, de perfil muito distinto daqueles que freqüentam os balcões dos bancos tradicionais, oficiais ou privados, histórias singelas mas ilustrativas. Como, por exemplo, a de um catador de entulho e papelão da cidade de Mogi das Cruzes que, com um empréstimo de apenas R$ 1,5 mil, pôde aposentar o carrinho de mão alugado, movido por sua própria força, e comprar um cavalo, charrete e arreios. Mais bem equipado, passou a percorrer uma área maior da cidade, recolhendo mais material e ganhando mais dinheiro.

Em Araras, um artesão que produzia canecas de alumínio, com a utilização de máquinas que ele próprio criara, foi ao Banco do Povo e fez um empréstimo de R$ 370 para comprar matéria prima. Com isso, aumentou a sua produção e, um ano depois, recorreu novamente ao programa, tomando, desta vez, um crédito de R$ 2,5 mil, para investimento em equipamentos e diversificação de sua produção. Em Salto, uma cooperativa de costureiras também melhorou o seu desempenho com o empréstimo de 25 mil Reais obtido no Banco do Povo, que permitiu ao grupo de 21 mulheres adquirir equipamentos próprios e deixar de pagar R$ 3 mil mensais pelo arrendamento de máquinas de terceiros.

Estas são algumas, entre milhares de histórias semelhantes, que evidenciam a importância do BPP como programa de inclusão e de geração de emprego e renda. Histórias de gente que, para driblar o desemprego e a pouca qualificação, desenvolve uma atividade informal, que é a situação de 77% dos clientes do programa, que geralmente não seriam contemplados pelo mercado tradicional. São empreendimentos modestos, com receitas médias mensais brutas de 2,7 mil reais cuja operação impõe dedicação de 9 horas diárias, estimulada pela expectativa de crescimento que está presente em 69% desses micro-empresários.

A meta do governo de São Paulo é levar o Banco do Povo aos 645 municípios paulistas, operando numa escala crescente que chega até o fim deste ano a 235 cidades, atendendo potencialmente a 50% da população. Criado por iniciativa do ex-governador Mário Covas, o Banco do Povo Paulista continua merecendo integral apoio de Geraldo Alckmin, que o coloca no centro das prioridades de uma administração que se propõe direcionar toda a sua ação na perspectiva generosa da geração de emprego e renda. É estimulante integrar um governo que toma a si responsabilidades que de fato lhe cabem como indutor de desenvolvimento, e o faz sem paternalismo e sem viés político-partidário, juntamente com administrações locais, numa parceria que lhe dá sustentabilidade e permite a replicação rápida e eficiente desse modelo vencedor.

Fernando Leça, advogado e ex-superintendente do Sebrae-SP, é secretário do Emprego e Relações do Trabalho do Estado de São Paulo.