O adolescente em conflito com a lei

O Estado de S. Paulo - Artigo - Quarta-feira, 3 de dezembro de 2003

qua, 03/12/2003 - 10h38 | Do Portal do Governo

Por Alexandre de Moraes e Gabriel Chalita

A Constituição federal estabelece como um dos objetivos fundamentais da República a construção de uma sociedade livre, justa, solidária. A chamada Constituição Cidadã estabelece um rol de direitos fundamentais que não podem ser objeto de alteração, tamanha a sua importância para a construção dademocracia, da liberdade. No mesmo diapasão, legislações infraconstitucionais estabeleceram avanços inegáveis para a conquista dos direitos da pessoa e do cidadão. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é um desses institutos.

A proteção ao adolescente é fundamental para um país que deseja atingir patamares de excelência nos direitos individuais e sociais. Proteção que nao pode, entretanto, levar a sensação de impunidade a uma sociedade que convive com atos infracionais de natureza grave cometidos por quem não pode ser criminalmente imputável.

A sociedade inicia, assim, um debate sobre a diminuição da maioridade penal, cansada de presenciar atos de violência hedionda. O governo de São Paulo não se poderia furtar a essa discussão. E o faz com a credibilidade de quem investe R$ 300 milhões por ano na recuperação desses adolescentes. A credibilidade de quem vem descentralizando o sistema de atendimento ao jovem privado de liberdade em 69 unidades com oficinas profissionalizantes, agenda educativa, proximidade com a família e, agora, com a geração de empregos. Fundação Bradesco, McDonald’s, Mister Sheik, Empório Ravioli e Beka Cabeleireiros são alguns dos parceiros que empregam egressos da Febem. Universidades oferecem bolsas de estudos e concretamente podemos acompanhar o processo de reinserção desses jovens.

Apesar de todo esse esforço e da crença nas medidas educativas, a consciência da impunidade faz com que adolescentes extrapolem em suas ações e ajam com brutalidade impressionante, praticando atos infracionais comparados aos piores crimes hediondos.

O governador Geraldo Alckmin apresentou sugestão para o debate que altera o ECA em três aspectos. Primeiro, estabelece um prazo para a medida socioeducativa. O adolescente precisa saber o tempo que ficará internado. Isso evita ansiedade, ajuda a organizar a agenda educativa e estabelece um trabalho racional com o jovem privado de liberdade. A segunda sugestão é a de ampliar a internação para os casos mais graves no limite máximo de dez anos, e não de três, como vigora atualmente. E, por fim, transferir os jovens que deverão continuar no sistema, pela gravidade do que cometeram, aos 18 anos de idade para o sistema penitenciário, em ala especial, separada dos demais detentos.

As alterações seguem o modelo legislativo juvenil europeu. E tem a finalidade de retirar do jovem a consciência de impunidade. Essas alterações são compatíveis com a Convenção dos Direitos da Criança da ONU (1989), ratificada pelo Brasil em 1990, e não infringem nenhum dispositivo constitucional.

É de fundamental importância destacar que essa discussão precisa sair da demagogia dos críticos de plantão, que nada fazem para, de fato, apoiar esses jovens. É preciso, sobretudo, coragem para mudar o que deve ser mudado, de maneira que o adolescente seja protegido sem desproteger a sociedade. O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Maurício Corrêa, elogiou as propostas de São Paulo por considerá-las equilibradas e adequadas. Não se almeja ter a verdade única nessa temática, mas é nosso objetivo ter a experiência de que estamos fazendo o possível para reverter o atual quadro social. Temos o respaldo do filósofo Aristóteles quando, em sua obra Ética a Nicômaco,afirma: ‘As coisas que temos de aprender antes de fazer, aprendemo-las fazendo (…); da mesma forma, tornamo-nos justos praticando atos justos, moderados agindo moderadamente, e corajosos agindo corajosamente.
Essa asserção é confirmada pelo que acontece nas cidades, pois os legisladores formam os cidadãos habituando-os a fazerem o bem; (…) os que não a põem corretamente em prática falham em seu objetivo, e é sob este aspecto que a boa constituição difere da má.’

As medidas legislativas a serem adotadas são graves, justas e necessárias, não só para prover o Poder Público de instrumentos legais adequados para o combate a delinqüência juvenil grave, mas também para possibilitar os meios indispensáveis à preservação da segurança, da tranquilidade, do bem-estar da coletividade e da distribuição de Justiça a toda a sociedade, como determina o preâmbulo de nosso texto constitucional, e necessitam tão-somente de alteração no ECA pelo Congresso Nacional.

Alexandre de Moraes é secretário de Estado da Justiça, Gabriel Chalita é secretário de Estado da Educação.