Nova regra da fila do fígado reduz morte de crianças

Folha de S.Paulo - Sexta-feira, 13 de abril de 2007

sex, 13/04/2007 - 12h05 | Do Portal do Governo

Folha de S.Paulo

 A mudança nos critérios que norteiam a distribuição de fígados na fila única de transplantes, em vigor há nove meses, beneficiou as crianças. O número de cirurgias no Estado de São Paulo triplicou e, em alguns locais, a taxa de mortalidade na fila caiu pela metade.

No Estado de São Paulo, responsável por 50% dos transplantes do país, foram realizados 220 transplantes de fígado entre julho de 2006 (início das novas regras) e 30 de março, sendo 40 em crianças. No mesmo período anterior à mudança, foram 13 cirurgias em crianças de um total de 219.

Como o total de transplantes não aumentou no período, os números mostram que, na prática, a mudança nas regras privilegiou as crianças, em prejuízo dos adultos, embora, em alguns casos, é possível dividir o fígado em dois.

O Instituto da Criança do Hospital das Clínicas de São Paulo realizou mais da metade das cirurgias infantis. Foram feitos 24 transplantes de fígado de doadores mortos, entre julho de 2006 e março deste ano, contra 7 no período anterior.

Não há informações sobre o impacto das mudanças em outros Estados.

Segundo o médico João Gilberto Maksoud, responsável pelo serviço de cirurgia pediátrica do instituto, a taxa de mortalidade na fila de espera caiu 50% após a mudança dos critérios. “Antes, a média de espera era de três anos, agora é de dois meses, se o caso for grave.”

Desde julho de 2006, o critério cronológico (tempo em lista) foi substituído pelo de gravidade no país. A gravidade é avaliada por um modelo matemático (Meld) que se baseia em exames laboratoriais e atribui pontos para cada paciente. Os números vão de 6 a 40.

Quanto maior o valor, maior a gravidade e menor o tempo de vida previsto para o doente. São considerados casos graves os que têm índices acima de 16.

Com a mudança dos critérios, as crianças ganharam pontos adicionais ao Meld, independentemente do grau de gravidade. Elas também têm prioridade no recebimento de órgãos de doadores mortos menores de 18 anos.

Além disso, as alterações acabaram com a doação intervivos (geralmente o pai ou a mãe doava parte do fígado ao filho). Nos nove meses que antecederam as mudanças, foram feitos 13 transplantes de doadores vivos. Desde julho de 2006, não houve cirurgia desse tipo.

Adultos

Já entre os médicos que fazem transplante de fígado em adultos, o clima passa longe do otimismo. “Estamos transplantando os pacientes moribundos. Em São Paulo, o paciente que tem cirrose tá frito [porque é menos grave]. A probabilidade ele ser transplantado é pequena”, diz o médico Sergio Mies, responsável pela Unidade de Fígado de São Paulo.

Mies se refere ao fato de a mudança dos critérios ter privilegiado os pacientes mais graves (portadores de hepatite fulminante e de câncer, por exemplo) em detrimento daqueles que também precisam de um órgão, mas não estão tão graves. “Estamos até tirando da fila esses pacientes.”

A atual média do Meld dos transplantados no Estado de São Paulo é de 31,5, segundo levantamento feito por Mies nos primeiros oito meses de mudanças -de 18 de julho de 2006 a 23 de março de 2007. No período, foram transplantados 225 pacientes, 663 morreram na fila e outros 3.841 continuavam à espera do órgão.

A taxa de mortalidade nos 90 dias após o transplante está em 35%, chegando a 60% nos casos mais graves -justamente os que estão sendo beneficiados pelas novas regras.

“Os casos operados são de uma gravidade excepcional. A mesma mortalidade que acontecia em um ano de transplante [35%] já pode ser observada em três meses. A sobrevida está menor porque os pacientes estão mais graves”, avalia.

Entre os 185 adultos que receberam órgãos, 20% foram priorizados e 40% estavam na chamada situação especial.

Segundo ele, hoje há três tipos de transplantes: o priorizado, que envolve pacientes em situações agudas -como uma hepatite fulminante- e passa na frente de todos; os especiais -como câncer pequeno no fígado-; e os “normais” -doenças crônicas, como a cirrose.

“O paciente com câncer pequeno no fígado ganha 20 pontos logo que entra na fila. Em seis meses, vai para 29. É claramente beneficiado e nem sempre o estado é tão grave.”