Nova filosofia do serviço público

Correio Popular - 19/9/2003

sex, 19/09/2003 - 9h50 | Do Portal do Governo

Opinião – Lair Zambon


Correio Popular – Campinas – Sexta-feira, 19 de setembro de 2003

“Pensar apenas ou desejar somente nunca levou ninguém a lugar nenhum. É necessária a ação”
– William Shakespeare –

Às vésperas de completar três anos, o Hospital Estadual Sumaré “Dr. Leandro Franceschini” tem muito a comemorar. Foi considerado um dos 10 melhores hospitais do Brasil na avaliação dos usuários do SUS e é o primeiro hospital público do País a conquistar o Certificado de Acreditação Hospitalar Plena, que corresponde aos níveis I e II. A certificação assegura ao usuário a excelência na qualidade de assistência à saúde. Um título inédito, que demonstra a importância da área médica da Unicamp, como referência para a sociedade atraída pelo alto nível dos serviços prestados gratuitamente.

Nesse cenário, a mais nova unidade integrada ao complexo assistencial da Unicamp, caminha na contramão do pessimismo que envolve o País e do conceito negativo que a maioria dos cidadãos possuem do serviço público. Esse sucesso foi planejado e, ao contrário do que se possa pensar, seu custo é menor quando comparado a outros hospitais de mesmo porte.

Mas a história do HES não é tão recente e nem foi isenta de tribulações. Em 1988 teve suas obras iniciadas e interrompidas em 1991. Em julho de 1997, o governador Mário Covas solicitou à Unicamp, nomes para assumir a intervenção no Hospital Conceição Imaculada, em Sumaré, que vinha apresentando problemas. Ao mesmo tempo, incubia a equipe da Unicamp de participar da retomada das obras. Assim foi feito e, em 2000, o HES foi inaugurado na gestão Covas-Alckmin.

As inovações foram muitas. Mas, talvez, a mais importante no convênio Unicamp e Secretaria de Estado da Saúde privilegia uma nova lógica de administração. Nela, o financiamento está condicionado ao cumprimento de metas previamente estabelecidas e direcionadas para as reais necessidades das demandas regionais. Com isso, evita-se a lógica de trabalhar exclusivamente pelo melhor faturamento como ocorre Brasil afora. Esta nova forma de gestão é ainda mais inovadora porque divide a verba alocada em dois componentes. A primeira, representa 90% do valor total e está relacionada com a produtividade. Os outros 10% são relacionados com indicadores de qualidade de assistência à saúde, como o índice de satisfação do usuário, baixas taxas de infecção hospitalar, redução de cesáreas, agilização do atendimento, entre outros.

O HES é um dos maiores hospitais da região. Possui 22 mil metros de área construída, com 270 leitos, realizando mensalmente 1200 internações, 1000 cirurgias, 300 partos e 6000 consultas especializadas. Conta, ainda, com modernas estruturas de terapia intensiva para adultos e neonatos. Como hospital escola, preenche uma lacuna na formação dos alunos de medicina e enfermagem, ampliando o conhecimento dos alunos em doenças e procedimentos mais comuns.

O HES não faz pronto atendimento, mas dispõe de um setor de Urgência e Emergência Referenciada com características regionais, recebendo pacientes encaminhados pelas unidades básicas de saúde dos municípios da região e central reguladora estadual, estando assim num patamar de atenção à saúde definido como secundário pleno e parcialmente terciário, não lhe cabendo atender demanda espontânea, como se fosse a porta de entrada do sistema público de saúde. Esta situação, infelizmente a regra em nosso País, desqualifica o hospital, distorce e torna irracional o sistema de saúde, prejudicando a população.

Esta irracionalidade quase ocorreu com o HES, após o fechamento em janeiro deste ano do Hospital que estava sob intervenção do Estado desde 1992 e era a porta de entrada para o pronto atendimento do município de Sumaré. Para não deixar a população sem alternativas, o HES, silenciosamente, traçou uma estratégia de atuação que incluiu, entre outras medidas, a adaptação da Urgência Referenciada para realização de Pronto Atendimento, na qual tivemos um aumento do atendimento na ordem de mais de 600%, que na sua grande maioria deveriam estar sendo atendidos na rede básica de saúde. Neste período de seis meses, houve grande distorção em nosso perfil de atendimento, incremento de custos e conseqüentemente prejuízo aos pacientes e à sociedade como um todo. Felizmente, com a abertura do Hospital Integração, o HES pode retomar sua trajetória de hospital de referência para a microrregião.

Todos os parceiros envolvidos têm consciência que este não é um processo encerrado, é apenas parte de um projeto em fase inicial de um modelo, que tem ambição de evoluir a ponto de se tornar um paradigma na gestão de serviços públicos na área hospitalar. Acreditamos firmemente que este projeto, multiplicado em escala nacional, pode modificar conceitos arraigados sobre a qualidade dos serviços públicos de saúde e demonstrar que é possível oferecer assistência hospitalar de alto nível ao paciente usuário do SUS, desde que a gestão seja politicamente honesta, tecnicamente competente, socialmente sensível e financeiramente responsável.

*Lair Zambon é professor da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e superintendente do Hospital Estadual Sumaré.