Northon ensina sua arte a detentas

Jornal da Tarde - São Paulo - Sexta-feira, 10 de dezembro de 2004

sex, 10/12/2004 - 9h49 | Do Portal do Governo

Há um mês, o ator Northon Nascimento dá curso de teatro para 28 presas da Penitenciária de Franco da Rocha

JOSMAR JOZINO

O ator Northon Nascimento e sua mulher, a atriz Kely Candia, estão dando, desde o mês passado, curso de teatro para 28 presas da Penitenciária de Franco da Rocha, na Grande São Paulo. As aulas acontecem às quintas-feiras, das 9h ao meio-dia, numa pequena sala do setor de educação do presídio. O casal também tem outro desafio para 2005: desenvolver trabalho cultural com menores e adolescentes da região da Cracolândia, no Centro da Capital. Esse projeto conta com apoio do governo estadual e da igreja Renascer em Cristo.

A Penitenciária Feminina de Franco da Rocha abriga 687 presas. A diretora de Educação, Andréa Paula Pires de Oliveira, disse que pelo menos 10% das detentas se interessaram em participar do curso de teatro. Mas como não havia espaço físico no presídio para acomodar 60 mulheres numa pequena sala, onde cabe a metade, a alternativa foi realizar um sorteio.

Atentamente, as 28 detentas sorteadas e contempladas com o curso – a maioria condenada por tráfico, outras por roubo e algumas por homicídio – acompanham, semanalmente, as três horas de aula de teatro ministradas por Northon e Kely. O trabalho voluntário, realizado com muita dedicação pelo casal, não se resume apenas às técnicas de interpretar. O ator e a atriz também transmitem às presidiárias seus conhecimentos bíblicos. E valorizam a importância não só da liberdade de ir e vir, mas, principalmente, da liberdade espiritual.

Northon enfrentou, há um ano, sérios problemas de saúde. Ele diz ter se encontrado na fé com Jesus. Segundo o ator, já a partir da terceira aula, as detentas passaram a recuperar a auto-estima. Também aprenderam a importância de ouvir. Além de tentar transformar as presas em profissionais da arte, o objetivo de Northon e de Kely é também ensinar as detentas a valorizar a honra e a família, ter disciplina e a saber governar, ou seja, controlar as atitudes.

O ator explicou que as 28 presas que fazem o curso vão ser ‘adotadas’ pela Igreja Renascer quando saírem em liberdade. Integrantes da Igreja irão acompanhar os passos das futuras egressas.

O curso de teatro para as presas tem duração de seis meses. Northon e Kely pretendem, em 2005, apresentar em teatro aberto, com as presidiárias, duas minipeças de 12 a 15 minutos cada.

Interpretação delas faz ator chorar

O ator ficou emocionado e chorou, na aula de ontem, quando a detenta Claudinéia dos Santos Rocha, 21 anos, interpretou, ao lado da presa Araceli Togno dos Santos, 24 anos, o papel de uma deficiente visual. A personagem conseguiu, pela fé, enxergar.
Durante a aula, Northon e Kely também ensinaram, com textos bíblicos, a importância do amor e da preocupação com o próximo. Foram lidos trechos dos livros de Neemias e Jó, do Velho Testamento. O primeiro era copeiro do rei. O segundo era muito rico. Ambos tinham tudo e não se importavam com os bens materiais, mas sim em ajudar as outras pessoas.

Condenada por tráfico a 4 anos e 66 dias, Kelma Cristina Martins, 36 anos, disse que, graças ao curso de teatro, está aprendendo a se expressar melhor e a ser mais disciplinada. Célia Maria de Matos, 34 anos, condenada por roubo a 8 anos e 7 meses, já tem esperança em se tornar atriz: ‘Com o apoio do Northon e da Kely, nós vamos ter um novo caminho lá fora. Alguém vai se interessar pela gente. Tenho fé’, acrescentou.

Fé na ressocialização e na construção de uma nova vida é o que não falta para a detenta Cintia Duarte Alves, 28 anos, condenada por tráfico a 3 anos e 1 mês. A presa está escrevendo um livro e diz ter conquistado outra família graças ao curso de teatro: ‘Já aprendemos o que é respeito, disciplina e solidariedade. Nós todas temos chance de recuperação lá fora. Basta uma oportunidade’, argumentou.

Joyce Aparecida da Silva Costa, 20 anos, condenada a 10 anos por roubo, se sentia abandonada antes do curso de teatro: ‘Era bailarina de boate e errei ao participar de um roubo. Agora ganhei uma família. Eu renasci’, acrescentou.