Nas curvas da Estrada Velha

Diário do Grande ABC - Diarinho - Santo André - Sexta-feira, 25 de junho de 2004

sex, 25/06/2004 - 9h47 | Do Portal do Governo

Uma estrada que fala da época do Brasil Colônia, dos índios, dos tropeiros e de Dom Pedro II. Conta também a história da Mata Atlântica e da destruição da natureza. Esta é a Estrada Velha do Mar, situada dentro do Parque Estadual da Serra do Mar, bem pertinho da gente, numa área entre São Bernardo e Cubatão. Depois de ter ficado fechada por quase 20 anos, a estrada passou por algumas reformas e foi reaberta em abril para visitas monitoradas.

Qualquer um pode descer a pé um trecho de 9 quilômetros do total de 22 da estrada, num programa denominado Caminhos do Mar. O passeio pode ser feito em grupos de escola, com a família ou amigos e dura pouco mais de 4 horas. Pavimentada com concreto, a estrada não exige grande preparo físico dos caminhantes. Pelo menos, o grupo que o Diarinho acompanhou – 24 alunos da 6ª série da EE Dr. Francisco Emygdio, de São Bernardo – pouco reclamou. A caminhada começou às 9h, com saída da Casa de Apoio ao Turista, e a turma chegou por volta das 14h no Cruzeiro Quinhentista, o ponto final do percurso. Claro que todo mundo estava cansado, mas não escondia a empolgação com tanta novidade. De lá, a gente volta de microônibus ao início da serra.

Durante o passeio, a atenção se divide entre a imponência dos monumentos históricos, construídos em 1922, e a beleza da Mata Atlântica, que cobre a região. Mas é a possibilidade de ver os animais que vivem ali que animam Caio Cássio Darim, 11 anos, e Luciana Gobbis Mariano, 12, a ficar de olhos bem abertos. E não é que eles foram presenteados com a visita de uma cobra jararaca (venenosa!) na beira da estrada. “Nunca tinha visto uma cobra assim”, diz Caio. “Só no laboratório da escola”, completa Luciana. E o passeio estava apenas começando.

Anotando tudo – Ninguém fez tantas perguntas quanto Caio. Ele queria saber de tudo e não deixava passar nenhuma dúvida. Ainda bem que as guias estavam preparadas. Ana Priscila de Proença Bernardi, 12 anos, anotava todas as explicações e até as informações das placas. “Vamos ter de fazer um trabalho de português e outro de ciências sobre o que vimos aqui”, diz. A principal preocupação de Nathália Menezes e Patrícia Mota, ambas de 12 anos, era curtir o lugar, além de registrar as informações sobre a história da estrada. Nas paradas, elas aproveitavam para tirar fotos, muitas fotos. Difícil foi ouvir a voz de João Gabriel da Silva, 12 anos, o mais calado da turma, que no fim falou: “Valeu a pena ter vindo!”

Caminho do Mar

Saída: km 42 da SP-148, em São Bernardo
Chegada: km 51, em Cubatão
Percurso: 9 km
Tempo de caminhada: de 4 a 5 horas

Voltando no tempo dos tropeiros

O passeio Caminhos do Mar funciona como uma grande aula, em que aprendemos sobre a história de São Paulo e do Brasil, por meio de seis dos oito monumentos que comemoram o Centenário da Independência. Eles foram construídos em 1922 para destacar a importância dos caminhos de ligação entre o planalto e o litoral.

1. O primeiro monumento é o Pouso Paranapiacaba, também conhecido como Casa de Pedra, ponto de parada dos carros durante a viagem de São Paulo a Santos. Tem esse nome porque Paranapiacaba é uma palavra de origem indígena que significa ‘lugar de onde se vê o mar‘. Alguns passos adiante, já é possível ver as praias e as cidades do litoral lá em baixo. Os prédios da Praia Grande formam um grande bloco; enquanto Santos e Guarujá ficam mais escondidas pelos morros e a neblina; mas é muito visível a grandiosidade do pólo industrial de Cubatão, cidade mais próxima e destino final da caminhada. Também dá para ver as rodovias Anchieta e Imigrantes, que hoje dão acesso ao litoral paulista.

No meio de uma curva da estrada, enormes tubos chamam a atenção. Eles transportam água da Usina Henry Borden de São Bernardo a Cubatão. Nathália Menezes ficou atenta às explicações da guia e repassou aos colegas: “Essa água vem da represa Billings, passa pelos dutos e vai para a casa de máquinas, onde é gerada a energia elétrica, que depois é distribuída às cidades do litoral.”

2. O Mirante do Belvedere é o segundo monumento da estrada e comemora o ponto de cruzamento entre dois antigos caminhos – a Calçada do Lorena com a estrada Caminho do Mar. É ponto de parada para o lanche, depois de pouco mais de 3 quilômetros de caminhada. Quem não levou comida, não sentiu fome porque alguns tinham levado lanches extras. João Gabriel da Silva levou seis sanduíches: “Comi dois, guardei um para mais tarde e dei três”. O lixo foi colocado em sacos plásticos e guardado nas mochilas. De barriga cheia e descansada, essa turma teve de apressar o passo.

3. O Rancho da Maioridade é a terceira parada, lugar onde os viajantes descansavam, tomavam café e aproveitavam para esfriar o motor do carro. O nome do rancho é uma homenagem à antecipação da maioridade de Dom Pedro II para poder substituir seu pai Dom Pedro I no trono imperial. A casa precisa de reformas e tem até pichações. No rancho, Ana Priscila Bernardi se assusta com a quantidade de teias de aranha e Luciana Mariano lembra que deve ter muitos sapos e morcegos. A casa tem painéis de azulejos pintados que ilustram a subida da serra por políticos do século XIX.

4. O Padrão do Lorena é a parada seguinte. Este monumento foi erguido em homenagem a Bernardo José Maria de Lorena, que mandou construir a Calçada do Lorena, uma antiga estrada, em 1792. Ainda é possível ver trechos dela, que, por várias vezes, se cruzam com a estrada. Os painéis dos azulejos da casa registram cenas de tropeiros e mulas carregando mercadorias no século XVIII. Saindo de lá, cruzamos com uma cachoeira, e o cansaço começa a aparecer depois de 5 quilômetros de percurso. “Quero desistir e voltar”, diz Ana Priscila Bernardi.

5. A penúltima parada é o Pontilhão da Raiz da Serra, ponto que marca o início da subida da serra para quem vinha do litoral a São Paulo. Ainda hoje sustenta uma placa que comemora o término da pavimentação em concreto do Caminho do Mar, em 1925. A caminhada segue, e a gente passa por gigantescos tanques da Petrobras, que armazenam derivados de petróleo das refinarias instaladas em Cubatão.

6. O Cruzeiro Quinhentista é a última parada desse passeio, quando a estrada fica plana depois de uma descida de 9 quilômetros. O cansaço é evidente. A obra marca a chegada dos portugueses no litoral paulista e as primeiras vias de ligação entre o mar e o planalto. As datas 1500-1922 lembram a descoberta do Brasil e o
monumentos, construído pelo Dubugras em estilo

Caminho do mar tem mais de 400 anos

O Caminho do Mar é uma estrada que mistura trilhas abertas pelos índios, jesuítas e bandeirantes, numa história de mais de 400 anos. Tudo começou em 1560 quando Mem de Sá encarregou os jesuítas de abrir novo caminho ligando São Vicente ao Planalto Piratininga. Com o tempo, foi-se deteriorando e, em 1661, foi construída a Estrada do Mar, com mais de 70 pontes que permitiam o tráfego de carroças. Numa terceira etapa, em 1792, foi determinada sua recuperação e a pavimentação com lajes de granito no trecho da serra, a Calçada do Lorena, que parte dela está preservada.

Tempos depois, em 1837, foi construída a Estrada da Maioridade usando parte do traçado da Estrada do Mar. Com a concorrência da ferrovia, inaugurada em 1867, a estrada foi abandonada. Somente a partir de 1913, a Estrada da Maioridade começou a ser recuperada. Em 1922, recebeu pavimentação em concreto no trecho mais inclinado da estrada e um conjunto de monumentos em comemoração ao centenário da Independência. Na década de 80, a estrada foi fechada e sofreu diversas quedas e desmoronamentos. Foi reaberta apenas para visitação em 17 de abril de 2004.

Guias

Alice Roberta Cardoso, 18 anos, e Edmila Souza Duarte, 19, fazem parte da primeira turma de monitores que acompanham os visitantes. Elas estão preparadas para falar sobre os monumentos, a Mata Atlântica e a necessidade de preservação do meio ambiente. No total, são 20 estudantes, entre 18 e 24 anos, de escolas públicas de Santo André e São Bernardo.

O passeio só pode ser feito a pé. Bicicleta, patins e skate são proibidos. No fim dos 9 km de percurso, um microônibus traz os visitantes de volta ao ponto de partida.

Fauna e flora recuperadas

Cobras e aves como tucano, tico-tico e quero-quero são os animais mais vistos durante o passeio. Macaco-prego e capivara também aparecem por lá. Mas isso não significa que você vá encontrá-los com facilidade. Ficam escondidos com medo de gente, que já provocou muito estrago nessa mata.

Até a década de 60, havia muitos animais e plantas por lá. Mas com o aumento da industrialização, as fábricas de Cubatão soltavam tantos produtos químicos que destruíram boa parte da fauna e flora local. Para salvá-las, foram criadas leis mais rigorosas e as fábricas foram obrigadas a cumprir várias normas para reduzir os efeitos da poluição. E, na tentativa de reflorestar a mata, foram atirados de aviões milhares de cápsulas com sementes de árvores, no início dos anos 80. A vegetação que nasceu é chamada de secundária, porque muitas das árvores existentes foram replantadas (a vegetação primária é a mata intocada pelo homem).

A gente aprende muitas dessas coisas durante o passeio. Entre as explicações, as guias mostram a abundância de bromélias e droseras e destacam a presença de frutos vermelhos, que lembram tomatinhos. São os juás, abundantes nessa mata, porém venenosos.

Tem dono – A turma da EE Dr. Francisco Emygdio se anima quando vê várias bananeiras na beira da estrada, pensando em matar a fome. Mas a guia Edmila Souza Duarte avisa que elas são dos macacos: “Além disso, se a gente comer, vai soltar o intestino.” Durante o passeio, ela lembra várias vezes que não devemos tocar em nada, muito menos retirar plantas e frutos, que servem de alimento para os animais.

Pelo caminho, também encontramos amoras silvestres, bem vermelhinhas, e embaúbas, árvores com troncos ocos que servem de moradia para as formigas. Elas encontram alimento na árvore e, em troca, protegem a planta do ataque dos pássaros. As sementes das embaúbas, manacá da serra e quaresmeiras foram jogadas de avião, como forma de reflorestar a mata. O professor Carlos Eduardo Barrero, que acompanhava o grupo de alunos, explica que essas árvores são reflorestadoras porque nascem em qualquer solo.

O passeio deixou muitas lições nessa turma. “Temos de cuidar do meio ambiente para que a natureza não acabe”, fala Luciana Mariano. “Não podemos deixar acabar com essa biodiversidade, ainda mais no Brasil, onde ela era tão abundante”, diz Patrícia Mota.

Mata Atlântica é a mata que acompanha o litoral brasileiro, banhado pelo Oceano Atlântico. Hoje restam apenas 7,4% de sua área original. Ela é uma das matas de maior biodiversidade do planeta por reunir grande variedade de espécies vegetais e animais num mesmo lugar. Das 202 espécies de animais ameaçados de extinção no Brasil, 171 vivem na Mata Atlântica. A Serra do Mar é uma das poucas áreas restantes dessa mata no Estado de São Paulo.

Use tênis e roupas leves e confortáveis. Leve repelente e capa de chuva (dependendo da época do ano). Não há lanchonetes nem barracas com vendas de alimentos. Durante o percurso há duas bicas de água potável e dois banheiros.

Onde – Caminhos do Mar pela Estrada Velha de Santos (SP-148) – Aberta para visitação de terça-feira a domingo, das 8h30 às 16h, apenas com acompanhamento de guias. Os passeios devem ser agendados pelo telefone (13) 3372-3307, das 9h às 12h e das 14h às 16h. Há vagas para julho, durante a semana; a partir de agosto, todos os dias. A idade mínima é 10 anos. Na volta um microônibus leva os visitantes ao estacionamento em São Bernardo. O passeio e o estacionamento são gratuitos, mas passarão a ser cobrados a partir de 31 de agosto.

Saiba mais no site www.emae.sp.gov.br/caminhos