Museu da Língua expõe originais e cartas de Clarice

Folha de S.Paulo - Sexta-feira, 20 de abril de 2007

sex, 20/04/2007 - 12h45 | Do Portal do Governo

Folha de S.Paulo

Em uma de suas crônicas compiladas no livro “A Descoberta do Mundo”, a jornalista e escritora Clarice Lispector afirmava: “Amo a língua portuguesa […]. Eu até queria não ter aprendido outras línguas: só para que a minha abordagem do português fosse virgem e límpida”. Passadas quase três décadas de sua morte, o amor de Clarice pelo idioma não poderia ter melhor abrigo do que o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, que abre na próxima terça-feira uma exposição em sua homenagem.

A mostra, que também marca os 30 anos de lançamento de seu livro mais popular, “A Hora da Estrela”, vai ocupar o primeiro andar do museu, onde ficam as exposições temporárias, como a dedicada a “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, que ficou em cartaz durante nove meses, até o dia 28 de fevereiro.

Manuscritos e originais datilografados inéditos, assim como a também inédita correspondência com escritores como Rubem Braga, João Cabral de Mello Neto, Fernando Sabino, Carlos Drummond de Andrade, Erico Veríssimo e Lúcio Cardoso, ajudam a compor o retrato da autora proposto pelos curadores Ferreira Gullar, poeta, crítico e colunista da Folha, e Júlia Peregrino, além dos cenógrafos Daniela Thomas e Felipe Tassara.

A pesquisa e montagem da exposição duraram cerca de três meses e meio. Já na entrada, o público será apresentado a Clarice através de telas de filó, de 6 m x 4,2 m, com imagens da autora em quatro diferentes épocas de sua vida. Por meio das telas, as pessoas poderão ler trechos selecionados de sua obra que se referem à “filosofia clariceana”, suas perspectivas sobre vida e morte, natureza, tempo, a língua portuguesa, a escrita etc.

“Foi uma grande responsabilidade fazer uma síntese da obra de Clarice para o público. Seu universo é complexo e ao mesmo tempo generoso, o que tornou um tanto difícil fazer a seleção de frases e trechos”, explica Peregrino. “A idéia, de qualquer jeito, não era esgotar o espectador, e sim deixá-lo instigado a, depois que sair da exposição, conhecer mais a fundo a vida e obra de Clarice.”

Trajetória Clarice Lispector nasceu no dia 10 de dezembro de 1920, em Tchetchelnik, na Ucrânia, e chegou ao Brasil aos dois meses de idade, naturalizando-se brasileira em 1943. Foi criada em Maceió e Recife, e aos 12 foi para o Rio de Janeiro, onde se formou em direito, trabalhou como jornalista e iniciou sua carreira literária. Lançou seu primeiro livro, “Perto do Coração Selvagem”, com apenas 23 anos. Escreveu 26 livros e foi traduzida em 15 línguas.

Casada com o diplomata Maury Gurgel Valente, Clarice viveu muitos anos no exterior e teve dois filhos. Foi do acervo de um deles, Paulo Gurgel Valente, que Peregrino extraiu boa parte do material inédito da mostra. Como uma caderneta com anotações para o seu segundo romance, “O Lustre”, as carteiras de identidade da autora e cartas curiosas, como a que ela escreveu para o presidente Getúlio Vargas pedindo a aceleração no seu processo de naturalização.

Mesmo pedido feito por André Carrazzoni, diretor do jornal “A Noite”, onde ela trabalhava, em carta endereçada a Oswaldo Aranha, ministro das Relações Exteriores. No texto, Carrazzoni defendia que Clarice, além de jornalista brilhante, era “filha do nosso clima sentimental e moral”.

Outra curiosidade são os originais de “Água-Viva” (1973), também inéditos, segundo Peregrino, e que trazem uma lista de recomendações para a própria autora, desde as mais objetivas, como “copiar páginas soltas” e “ler cortando o que não presta”, à mais poética “abolir a crítica que seca tudo”.

Boa parte do material exposto no Museu da Língua será reunida no catálogo da mostra, que será vendido a R$ 20. O volume trará ainda textos de Ferreira Gullar, Benedito Nunes e Nélida Piñon, uma cronologia e reprodução de documentos, originais e cartas. Da Estação da Luz, onde fica em cartaz até o dia 2 de setembro, a exposição parte para o Centro Cultural dos Correios, no Rio, onde Clarice morreu, em dezembro de 1977, apenas um dia antes do seu aniversário.